Título: Pela independência do Poder Legislativo
Autor: André Costa
Fonte: Jornal do Brasil, 07/02/2006, Outras Opiniões, p. A11

Está registrado no artigo 62 da Constituição um dos maiores equívocos cometidos pelos parlamentares que formaram a Assembléia Constituinte de 1987: a medida provisória, instrumento que permite ao presidente da República - em casos de ''relevância e urgência'' - editar medidas com força de lei e submetê-las de imediato ao Congresso. Característica de um regime parlamentarista, as MPs representam no nosso sistema presidencialista apenas a subjugação do Legislativo ao Executivo e um agravante a mais na desgastada imagem do Congresso.

A sociedade e suas organizações já percebem que as MPs representam uma ingerência do governo federal na vida legislativa, a despeito da propalada independência dos Poderes. Por essa razão, propusemos a criação de uma frente parlamentar pela extinção das medidas provisórias. Uma vez instalada, será missão desta frente verificar como e quanto o trabalho de deputados e senadores vem sendo obstaculizado e prejudicado pela edição de MPs, bem como propor encaminhamentos visando sua extinção.

Ao longo destes 18 anos tem sido constante o mau uso nas edições de medidas provisórias. Há muito, o preceito constitucional de relevância e urgência deixou de ser respeitado pelo Executivo, que se utiliza de MPs para, por exemplo, implementar o cargo de secretário de Comunicação do governo (!) e para criar a Política Nacional do Cinema. Em 34 meses de governo Lula, foram editadas mais de 160 medidas provisórias - grande parte delas com temas ''urgentes'' como os descritos acima. O instituto das MPs prevê ainda forte estímulo à edição de medidas casuísticas, como a ''MP do Meirelles'', editada em 2004 e que concedia status de ministro ao presidente do Banco Central, justamente no período em que Henrique Meirelles estava sob investigação.

A alta média mensal de medidas provisórias em tramitação tem sido um dos principais fatores para o comprometimento da agenda legislativa. As MPs são colocadas como uma espécie de proposição de primeira ordem, enquanto os projetos apresentados por parlamentares sinalizam uma importância menor. Exemplificando: a legislação exige que para cada medida provisória apresentada seja criada uma comissão especial. Esta comissão tem o prazo de até quatorze dias desde a publicação da MP no Diário Oficial para analisar seu teor. Em até quinze dias, a medida provisória deverá ser votada na Câmara para seguir ao Senado. E diz a Lei que, se a MP não for apreciada em até 45 dias contados a partir de sua publicação, ficam obstruídas as outras deliberações legislativas objetos da apreciação em plenário.

Não são raras as vezes, então, que votações de projetos de lei e de propostas de emendas à Constituição, elaborados pelos parlamentares e sob devido trâmite regimental, deixam de ser realizadas em razão do ''trancamento de pauta'' suscitado pelas medidas provisórias. Curioso é o ''jeitinho'' encontrado para que esta ''corrida contra o tempo'', exigida pelas MPs, não prejudique ainda mais a agenda do Congresso. Muitas vezes, as comissões especiais sequer se instalam e o parecer sobre uma MP é proferido diretamente em plenário, sem que os parlamentares tenham conhecimento sobre seu teor e noção satisfatória do que estão votando.

Para que o Congresso recupere parte de sua credibilidade é fundamental que reconquiste sua independência em relação ao Executivo. A Câmara e o Senado têm, por meio de comissões especiais e projetos apresentados por parlamentares, procurado formas de reduzir a edição e os temas de medidas provisórias. A vulgarização deste instituto, entretanto, atingiu um nível que não comporta mais soluções paliativas e conciliatórias. O momento é de uma atitude libertadora e definitiva. Que a frente parlamentar pela extinção das medidas provisórias seja seu primeiro passo.