Título: Campanha termina em medo
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2006, Internacional, p. A7

René Preval, o presidenciável que lidera as pesquisas de intenção de voto no Haiti, cancelou o comício de encerramento da campanha que faria hoje, devido à falta de segurança. Às vésperas das eleições gerais de terça-feira, o candidato afirmou ter recebido a notícia de que haveria um ataque contra seu eleitorado.

- Temos informações críveis que algumas pessoas planejavam atacar nossos aliados e fazer um banho de sangue - revelou.

A violência faz parte do cotidiano dos hatianos, em especial dos moradores da capital, Porto Príncipe. E o pleito - o primeiro desde que o presidente Jean-Bertrand Aristide renunciou depois de uma convulsão social, há quase dois anos - reativou antigas rixas políticas. Nos bairros mais pobres, atuam gangues ligadas ao partido Lavalas, de Aristide. A intimidação é tamanha que os próprios funcionários do Conselho Eleitoral desistiram ontem de montar as zonas eleitorais dentro da favela de Cité Soleil, onde os soldados de paz da ONU freqüentemente se envolvem em tiroteios com os membros das gangues.

Mas para o cientista político haitiano Jean Voltaire, a decisão de Preval de cancelar o comício não está exatamente ligada à pressão do Lavalas.

- É uma manobra política, um último esforço para chamar a atenção à sua candidatura. Houve vários comícios, de vários candidatos, e não foram registrados casos graves de violência - afirmou, ao JB.

Ainda há temor, entretanto, para a jornada eleitoral do dia 7. Segundo o diretor do Grupo de Promoção da Democracia no Haiti, vários dos 3,5 milhões de eleitores registrados ainda se sentem inseguros de ir às urnas, devido às intimidações dos membros do Lavalas.

- O medo está principalmente em Porto Príncipe. Nas outras regiões do país, não existem tantas gangues com motivação política. Pode ocorrer algum caso de violência na capital, mas acredito que a Minustah será capaz de resolvê-lo - estimou Voltaire.

Estarão nas ruas para garantir a segurança dos haitianos 9 mil membros das forças de ordem da ONU, entre soldados e policiais internacionais. A polícia nacional também foi convocada, mas deve ter um papel secundário, aponta Joanne Mariner, especialista em Haiti da ONG Human Rights Watch.

- A população ainda não confia na polícia, que tem fama de ser sanguinária e corrupta - ressaltou.

Outra variante que pode influenciar no nível de abstenção é o caso dos milhares de eleitores que terão de se deslocar por quilômetros para chegar a um dos 800 centros de votação. Eles temem ficar vulneráveis a uma das 210 mil armas de fogo em poder de civis na nação caribenha, segundo uma sondagem da ONG britânica Oxfam.

- Várias pessoas nos contaram que estão muito temerosas com a viagem e que simplesmente não vão votar - disse Yolette Etienne, ativista da Oxfam em Porto Príncipe.