Título: O delírio do gasoduto transbolivariano
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2006, Economia & Negócios, p. A18

O governo Lula é pródigo em idéias megalomaníacas, mas carece de gestores para colocá-las em prática - haja vista a transposição das águas do Rio São Francisco. Agora, a bola da vez é o gasoduto transbolivariano, interligando Venezuela, Brasil, Uruguai e Argentina. Se até a licitação de usinas hidrelétricas de pequeno porte enfrenta dificuldades de licenciamento ambiental, imagina-se os entraves colocados no caminho de uma obra que cruzaria a Amazônia e o Pantanal. Já seria um projeto extravagante sem considerarmos que há ociosidade no gasoduto Bolívia-Brasil. E, mesmo que uma possível crise política pusesse o território boliviano em convulsão, ainda haveria a alternativa de investir na exploração das reservas de gás natural recém-descobertas de Norte a Sul do país - especialmente na Bacia de Santos.

O gasoduto parece saído da mente do líder Simon Bolívar, maior inspiração do atual presidente da Venezuela, o golpista Hugo Chávez. Mas a integração sul-americana encontrará formas bem mais racionais do que iniciativas de cunho voluntarista. Na avaliação do secretário estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner Victer, a obra, orçada inicialmente em US$ 20 bilhões, ''sonho das empreiteiras, das siderúrgicas e dos fabricantes de tubos, não é conveniente como projeto e como estratégia de integração, e principalmente para os interesses econômicos e estratégicos do Brasil''.

O duto transbolivariano teria capacidade para 150 milhões de metros cúbicos por dia. O Bolívia-Brasil transporta até 30 milhões e levou mais de uma década para chegar perto da plena utilização, lembra Victer. Trazer gás da Venezuela desestimularia ainda a exploração dos blocos licitados na 7ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Mais lógico, afirma o secretário, seria importar gás liqüefeito venezuelano e, à medida que houvesse uso comercial das reservas nacionais, progressivamente reduzir a participação do combustível estrangeiro.

Melhor também nem pensar como seria um contrato com a Venezuela de Chávez e com a Argentina no fim da linha do gasoduto. O presidente argentino, Néstor Kirchner, é um amante dos subsídios e mantém os preços do gás em seu país artificialmente baixos. Será que estaria disposto a pagar pelo que o combustível vale? Ou botaria na conta do presidente Lula, em nome da integração no Cone Sul, a exemplo da proteção à sua ineficiente indústria, chancelada esta semana pelo Itamaraty?