Título: ''O lixo é o nosso maior problema''
Autor: Rosane Garcia e Patrícia Alencar
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2006, Brasília, p. D3

O secretário do Meio Ambiente, Antônio Gomes, em entrevista, afirma que é preciso repassar à gestão do lixo a mesma eficiência que levou o DF tratar 100% do esgoto coletado

O Distrito Federal é a primeira unidade da federação a tratar 100% do esgoto coletado e a levar água a mais de 90% das residências. Mas não conseguiu uma gestão eficaz do lixo. O secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Antônio Gomes, em entrevista ao Jornal do Brasil, admite que faltam à capital da República um sistema de coleta seletiva e aterros sanitários em quantidade e em condições compatíveis com a produção de rejeitos. O lixão da Estrutural, além de estar com sua capacidade esgotada, revela-se uma ameaça ao Parque Nacional de Brasília, conhecido como Água Mineral. Outro grande problema ambiental é a poluição das bacias hidrográficas do DF. A bacia do Rio Descoberto, responsável por 65% do fornecimento de água para a capital, está ameaçada. De acordo com Antônio Gomes, a solução virá com os investimentos em saneamento básico na cidade vizinha de Águas Lindas, em Goiás, onde a falta de redes de água e esgoto coloca em risco a saúde do Descoberto. O adensamento populacional é outra questão que conspira contra o patrimônio natural da capital da República. Antônio Gomes lamenta ainda a falta de recursos para implantar, este ano, o Parque Burle Marx, no final da Asa Norte. A nova unidade seria um espelho do Parque da Cidade e abrigaria todos os órgãos ambientais do governo do Distrito Federal. Apesar dos vários problemas, Antônio Gomes anuncia que o DF começa a construir o Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE). O governador Joaquim Roriz e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assinaram acordo que autoriza a criação de um grupo, formado por representantes locais e do governo federal, para elaborar ZEE do DF e, assim, orientar o desenvolvimento sustentável da capital federal. A seguir os principais trechos da entrevista do secretário.

Lixo Sem dúvida a gestão do lixo é um dos nossos maiores problemas. Temos que promover a coleta seletiva de modo eficaz e a educação ambiental é fundamental para que possamos aumentar a vida útil dos resíduos. Estamos fazendo um programa que será incluído no plano diretor de lixo. Naturalmente, o novo contrato com a empresa responsável pelo gerenciamento do lixo vai prever a coleta seletiva, que não vem sendo observada, ao menos, com a eficiência que deveria. A Qualix faz parcialmente a coleta seletiva. E temos que passar a mesma filosofia que nos permitiu avançar na questão da água e do esgoto para os resíduos sólidos. Aí sim, nos tornaremos realmente uma unidade modelo para o restante da federação.

Aterros sanitários Estamos trabalhando para liberar o licenciamento do aterro sanitário de Samambaia e acabar com o lixão da Estrutural, que é um grande problema pela proximidade com o Parque Nacional de Brasília, a Água Mineral. Mas a criação desse aterro não é suficiente. Precisaremos identificar outras áreas que permitam tratamento adequado dos rejeitos em outros pontos do DF, principalmente na parte Norte. Se imaginarmos que teremos que transportar o lixo dos pontos de transbordo do Norte até Samambaia, isso significa atravessar a cidade por um percurso de aproximadamente 70 quilômetros, com caminhões de rejeitos, o que não é positivo. Mas não podemos também criar muitos aterros. No máximo, dois ou três.

Bacias hidrográficas O segundo maior problema que temos é, sem dúvida, a poluição das nossas bacias hidrográficas. Hoje, temos 100% de balneabilidade no Lago Paranoá. Foi um trabalho incessante do governo, nos últimos dez anos, para recuperar o lago. Agora, estamos preocupados com a Bacia do Rio Descoberto, responsável por 65% da água consumida no Distrito Federal, que vem sendo pressionada pelo crescimento populacional especialmente de Águas Lindas, em Goiás, onde não tem saneamento básico. Fechamos um empréstimo com o Banco Mundial (Bird), de US$ 115 milhões, para investir no programa Brasília Sustentável. Com esse dinheiro pretendemos resolver definitivamente os problemas da Bacia do Descoberto, devolvendo-lhe a balneabilidade com a implantação de redes de esgoto e tratamento de água em Águas Lindas.

Comitê de bacias Essa foi uma das primeiras preocupações quando assumi a Secretaria, no ano passado. Há uma pressão muito grande da sociedade em torno da criação dos comitês que democratizam a gestão da bacia. Temos um problema grave de ocupação do solo, especialmente na área de proteção permanente da orla do Lago Paranoá. Mas é preciso ir além da orla e analisar a bacia como um todo. Logo que cheguei à Secretaria, determinei a realização de estudos para a criação do Comitê Gestor da Bacia do Paranoá, que já estão sendo discutidos no Conselho de Meio Ambiente do DF. Penso que ainda neste primeiro trimestre teremos a instalação desse comitê e, na seqüência, os do restante das nossas bacias. Isso nos ajudará muito a criar políticas públicas para resolver até o problema da orla do Paranoá, da utilização da água, da área de proteção permanente, palco de conflitos diários por causa das invasões que lá ocorrem.

Orçamento É uma questão que ainda estamos examinando. Houve muitos cortes na proposta da Secretaria de Meio Ambiente e não sabemos ao certo o quanto teremos este ano, sobretudo devido às mudanças impostas pela Câmara Legislativa e os vetos do governador Joaquim Roriz. No entanto, sabemos que não teremos os R$ 6 milhões previstos para a implantação do Parque Burle Marx, no final da Asa Norte, concomitante com a criação do Setor Habitacional Noroeste, como tínhamos previsto. A nossa esperança se renova quando avaliamos que o licenciamento do Noroeste exigirá uma compensação ambiental. A legislação permite que, ao menos, 0,5% do valor do empreendimento seja revertido ao meio ambiente. Essa discussão foi iniciada, junto com o pessoal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que acabou exigindo que toda compensação ambiental fosse revertida em favor do Parque Nacional de Brasília. Mas possivelmente, poderemos fazer algum tipo de divisão que favoreça o Burle Marx, cujo projeto prevê a interligação ao Parque da Cidade, de tal forma que as pessoas possam correr nos dois parques, ou seja, fazer meia maratona só dentro dos parques. Será algo inédito. Aliás, o Burle Marx será um espelho do Parque da Cidade, da mesma forma que temos o Olhos D'Água (413/414 Norte) e o Parque da Asa Sul (613 Sul) também simétricos.

Parques Temos que reconhecer que avançamos muito em termos de implantação de unidades de conservação. Houve uma proliferação de parques. Em 2000, tínhamos pouco mais de 40. Hoje, temos 66 unidades. É fato que nem todos foram implantados para que possam ser utilizados pela comunidade. Isso porque a comunidade também não se apropriou do parque. O Olhos D'Água, por exemplo, a sociedade sempre o quis, daí ser uma unidade exemplar. O da Asa Sul ainda não se efetivou, embora já esteja cercado. Acreditamos que à medida que avançarmos na educação ambiental e com algumas mobilizações como, por exemplo, a construção de agenda ambientais, reverteremos essa utilização. A educação ambiental é importante para separarmos o que é unidade de conservação e de preservação ambiental.

Educação Ambiental Pretendemos fazer uma grande campanha de conscientização ecológica, por meio da mídia. Criamos uma equipe para estudar o assunto e pretendemos veicular essa campanha, talvez no próximo mês, para sensibilizar a comunidade sobre a importância de preservarmos o nosso patrimônio natural. A qualidade de vida de Brasília está fortemente associada à questão ambiental. A educação é o primeiro passo para se criar uma cultura do ambientalmente correto. Temos o projeto Vamos Abraçar o Lago, que realizamos todos os anos. No ano passado, retiramos do Lago Paranoá 161 toneladas de lixo, das quais cerca de 40 apenas na Ponte do Bragueto, no braço do Córrego Bananal. É um absurdo. Precisamos conscientizar a comunidade que um papel de bala que se joga na W3 vai acabar no Lago e tudo isso contribui para o assoreamento desse corpo hídrico.

Plano Diretor do Guará O receio que temos é pensando na Bacia do Lago Paranoá. Tudo que se faz na área da bacia tende a precipitar dentro do lago. O adensamento populacional previsto gera afluentes que, mesmo tratados, causam impactos negativos no lago, que é o medidor do nosso comportamento ambiental. A maioria dos adensamentos populacionais estava prevista há alguns anos e existe uma modelagem na Caesb. É o caso do Noroeste. Mas o do Guará não estava estimado na dimensão, hoje, inserida no plano diretor local daquela cidade. Temos que trabalhar por bacia e vai chegar a hora em que teremos de gritar aos quatro ventos que não dá mais. Na elaboração do Plano Diretor de Ordenamento Territorial, de 1997, o DF foi pensado por bacias hidrográficas e a capacidade do Lago Paranoá. Agora, nessa revisão, não podemos perder esse conceito, sob pena de comprometer todo o restante do DF. Exatamente esse é conflito que está ocorrendo nas audiências públicas, nas quais a comunidade está contra esse adensamento no Guará. Da mesma forma que o Guará, as invasões e os condomínios nos preocupam muito. Quanto à regularização dos condomínios, é preciso conjugar os aspectos ambientais e urbanísticos. Mas acredito que neste governo ou no próximo, haverá de se priorizar o licenciamento ambiental dos condomínios e dar um basta às invasões.

Zoneamento Econômico Ecológico Estamos em fase avançada para criar o nosso Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE). A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e o governador Joaquim Roriz assinaram convênio que permitirá a colaboração entre os dois órgãos - federal e distrital - para pensarmos na formação do ZEE do DF, que reordenará o crescimento da cidade - até induzindo o seu crescimento - levando em conta a matriz ecológica. É preciso repensar o adensamento populacional, evitando pressões sobre o Plano Piloto, uma área tombada e que deve ser preservada. Há pessoas que imaginam que preservar Brasília é fazer um muro em torno dela. Não é nada disso. É preciso descomprimir, reorientar o crescimento com base no ZEE. Esse zoneamento tem um viés social, que é o mais importante. Se você não consegue fazer a preservação ambiental, você compromete a vida. Uma coisa está interligada a outra. O estudo do ZEE será feito de forma globalizada, levando em conta o Entorno do DF. Surgirá, de fato, uma região metropolitana.