Título: Regras duras contra a lavagem
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2006, País, p. A3

Entrevista com Antônio Gustavo Rodrigues

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ¿ órgão ligado ao Ministério da Fazenda ¿ vai endurecer a legislação sobre lavagem de dinheiro. Em entrevista exclusiva, o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, avisa que está preparando novas resoluções para tornar mais rígidas as regras de controle dos setores de compra e venda de imóveis, objetos de arte e antigüidades e de jóias, pedras e metais preciosos. Advogado, 46 anos, Antônio Gustavo acusa algumas áreas da economia de descaso com o crime de lavagem de dinheiro. Relatório do órgão mostra que os três setores não comunicaram nenhuma operação suspeita ano passado. O de arte e antigüidades ¿ um dos preferidos dos criminosos para ocultar patrimônio ¿ também não apresentou comunicação. No Coaf há dois anos, o advogado de carreira do BNDES, que passou pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda, quer disseminar para todos os setores as mesmas regras impostas às empresas de factoring, que aumentaram quase 500 vezes o número de alertas ao órgão no ano passado. - A nova resolução para o setor imobiliário deve tornar as regras mais rígidas?

- Seguindo exemplo do que fizemos na área de factoring, vamos identificar situações que devam ser comunicadas de forma mais automática ao Coaf. Uma grande dificuldade que temos na hora de supervisionar esses setores é comprovar se havia algo suspeito ou não, que deveria ter sido comunicado. Tornando objetivo o critério, é mais fácil verificar o cumprimento. Assim, essas empresas perdem o medo de informar. Informar ao Coaf não é ser dedo duro, não é acusar o cliente de bandido, não é nada. Simplesmente estará dando uma ajuda, um auxílio à sociedade para tentar evitar de ser usado para a lavagem de dinheiro. Nosso papel é exatamente tentar separar o cliente que fez uma operação atípica do que é efetivamente suspeito.

- Além do setor de imóveis, o Coaf realmente pretende endurecer as regras do setor de pedras preciosas, que não tem informado muito?

- Sem dúvida nenhuma. Todos os setores que parecem não se conscientizar da importância de colaborar com isso vão ter que ser sensibilizados de uma forma ou de outra. Se não for pela própria consciência, a gente vai ter que apelar para a aplicação das penas administrativas, multas etc. Eles têm que entender o papel importante que têm. No roubo ao Banco Central, em Fortaleza, as pessoas saíram lá é compraram 10 picapes, pagaram em dinheiro. As empresas que vendem bens de alto valor têm de se conscientizar que devem informar ao Coaf, para que possamos auxiliar a polícia.

- Os setores de imóveis, jóias, pedras e metais preciosos e de objetos de arte e antigüidades poderão ter novas legislações?

- Sim. Já estamos trabalhando. Esperamos ainda nesse semestre sair uma resolução nova para o setor imobiliário e depois vamos começar a trabalhar com os outros. Estamos fazendo isso conversando com os setores.

- O setor imobiliário, pelos bilhões que movimenta no Brasil, tem dado pouca uma contribuição, em termos de informação?

- Considero que é proporcionalmente pequena. O setor de factoring não vinha colaborando nada e agora passou a ter uma contribuição expressiva. Não quer dizer que não possa ser melhorada. Agora temos de trabalhar na qualidade. Recebemos em seis meses mais de 12 mil comunicações do setor de factoring. Mas essas 12 mil comunicações foram feitas por um grupo muito pequeno de empresas. Você tem um grande número de empresas que não faz comunicação nenhuma.

- Sabe-se que ocorre muita lavagem no setor imobiliário.

- É um setor complicado, um setor que pode ser potencialmente utilizado para isso. É importante que estas empresas tenham uma participação maior em fornecer as informações. Se você olhar a parte de bingos, a participação desapareceu porque eles se tornaram ilegais. A parte de imóveis está na faixa das 750 comunicações. Pelo tamanho do mercado, consideramos pouco. Factoring teve um crescimento espantoso, de 27 para 12 mil comunicações. Jóias e pedras preciosas são contribuição eu diria inexistente. O setor demonstra um total desconhecimento, descaso por esta questão. Depois eles ficam se cercando de barras de ferro, carros blindados, mas eles mesmos estão ajudando a criminalidade a se desenvolver e não dá para reclamar.

- O setor de objetos de arte e antigüidades não registra nenhuma comunicação ao Coaf.

- É zero. É outro setor que não entendeu que pode estar sendo usado para este tipo de coisa.

- Como funcionam hoje as comunicações do setor imobiliário e como podem vir a funcionar?

- A resolução estabelece algumas situações que devem ser vistas com cuidado. Por exemplo, a pessoa fazer a quitação do imóvel em espécie. Não é normal, não é razoável que a pessoa chegue com uma mala com R$ 500 mil ou mais e pague o imóvel. Outra situações é um pagamento do todo ou parte do imóvel com cheques de vários emitentes. Pode ser sinal de um traficante, ou de um dentista que recebeu vários cheques dos clientes.

- Quais são as novas situações que o senhor pretende incluir na nova resolução?

- Criar a comunicação negativa, obrigando o setor a confirmar que não houve (operação suspeita). Uma coisa é você ficar passivo, não falar nada, ficar quietinho, não fazer marola. Outra coisa é você ter que assinar e dizer o seguinte: 'Na minha empresa não ocorreu nenhuma operação que se enquadrasse na norma'.

- É assinar uma garantia e se comprometer em juízo depois que assinou aquilo?

- Exatamente. Essa é uma inovação que tem um impacto muito positivo.

- O senhor então vai tirar esses setores da passividade e pedir que eles informem mesmo se não houver operações?

- Nosso objetivo é esse. No mundo inteiro o setor mais importante de comunicação é o financeiro. Mas isso não quer dizer que os outros setores não tenham nenhuma responsabilidade. Aparentemente há uma omissão nesse caso. Existe consciência de que existem transações de imóveis em espécie.

- A área preferida pelo narcotráfico é a de imóveis, para lavar dinheiro.

- Existe muita preocupação no Nordeste, com as várias aquisições de imóveis que são feitas nas cidades. Fortaleza, Natal, todas elas. As unidades de inteligências dos outros países têm preocupação.

- No ano passado o Coaf fez mais de 600 comunicações de operações suspeitas ao Ministério Público e à PF. Porque aumentou tanto?

- O sistema está se aperfeiçoando. De um lado, os bancos estão melhorando seus sistemas, para identificar situações que podem estar relacionadas à lavagem de dinheiro. Nós também estamos nos aperfeiçoando, assim como Banco Central, CVM, Susep. O foco aqui não é sair prendendo as pessoas, é você, através das movimentações financeiras, tentar estrangular as organizações.

- Quais os setores que mais lavam dinheiro no Brasil?

O fato concreto é que existe um volume enorme de tráfico de drogas no Brasil, a polícia apreende volumes substanciais de drogas e a gente percebe que muitas vezes não fazem o processo relativo à lavagem de dinheiro nesses casos. E nem necessita do Coaf. No momento em que você prendeu o traficante, você tem que saber o que ele fez com o dinheiro dele?

- A investigação pára na apreensão da droga?

- Muitas vezes sim. Agora que a polícia e o Ministério Público estão começando a dar o passo adicional. É exatamente ver como uma pessoa que não tem fonte de renda legítima, definida, foi presa como traficante de drogas, mora numa casa assim. A família mora em casas que não se explicam. Esse é o raciocínio. Você não precisa do Coaf para isso. No momento em que prendeu, detectou que ele é um criminoso, um traficante de drogas, vai atrás do dinheiro dele, tira o dinheiro dele.

- No ano passado, a Polícia Federal apreendeu 15 toneladas de cocaína.

- Não só a PF, mas as polícias estaduais, que volta e meia pegam um traficante. O tráfico de drogas não é só o grande traficante, ou o tráfico internacional, que seria atribuição da Polícia Federal, mas aquele tráfico local, ali na região, na cidade, no morro. Sou do Rio, isso aí é uma preocupação.

- Há muitas condenações por lavagem de dinheiro?

- Há várias. Processo judicial no Brasil é longo. O crime mais antigo da humanidade possivelmente é o homicídio. E nós temos um caso de homicídio aí que tem mais de seis anos para ser julgado.

- É o assassinato da jornalista em São Paulo, não é? (Sandra Gomide).

- Exatamente. E olha que é um crime que tem réu, tudo identificado. Agora, você pega uma situação financeira, que é o crime de lavagem de dinheiro. Muita gente fala que o número de condenações é baixo. É baixo porque o processo judicial é lento.

- A lentidão da investigações pode ter sido o problema das contas do mensalão? Os senhores identificaram em 2003 as empresas com movimentações irregulares.

- Ninguém sabia o que era aquilo. Era uma coisa estranha, mas o mundo está cheio de contas estranhas. Estava acontecendo algo estranho, que foi detectado e informado. Ninguém esperava chegar ao que se vê hoje nos jornais, o tamanho deste escândalo. Mas o fato é que foi identificado já na época que estava havendo saques em valores elevados daquelas empresas.

- O Ministério Público abriu investigação, a PF instaurou inquérito na época?

- Não sei. Uma coisa que sentimos falta é exatamente desse retorno. Nós fizemos uma informação ao Ministério Público em São Paulo em outubro de 2003 e depois não tivemos mais notícias.

- Tudo da SMP&B, não é?

- Isso. Tínhamos a informação, mandamos. A informação que mandamos, a forma que ela foi mandada, continuava válida até julho de 2005. Ela estava perfeitamente correta, continuavam a fazer saques volumosos em espécie.

- Os Estados Unidos não estão demorando muito para enviar as informações do Duda Mendonça?

- Eles têm demorado. Eu confesso que eu esperaria um pouco mais de velocidade do Fincen. Agora, o Fincen tem sido um órgão muito confiável. Apesar de lento, ele tem dado respostas sempre muito substanciais, diferente de outros países, que muitas vezes nem respondem.

- O Coaf está ajudando a levantar patrimônios de servidores públicos?

- Desde 2004 a gente tem procurado melhorar a nossa relação com a Controladoria-Geral da União. Nosso sistema já está interligado com a relação dos servidores da administração federal direta e já indica se uma movimentação está ligada a um destes servidores. Quando identifica, comunicamos à CGU. Vamos tentar agora com o Tribunal Superior Eleitoral a identificação de todas as pessoas com cargo eletivo. Não temos quem são os servidores estaduais, municipais, do Legislativo, do Judiciário. Existe uma série de servidores públicos que a gente ainda não sabe quem são.

- Esta troca de informações com os Tribunais Regionais Eleitorais servem para investigar as pessoas que estão se lançando na política?

- Não é para investigar ninguém. No fundo, é só um dado. É para eu ter a informação e saber o seguinte: fulano tem tal cargo eletivo. Não é que o fato de ele ser que eu vou investigá-lo. Quando eu recebo uma comunicação, tenho de traçar um perfil de quem é aquela pessoa. Traço esse perfil acessando bancos de dados. Não temos agentes secretos, ninguém para ficar seguindo. Creio que é informação relevante saber se tal pessoa tem cargo eletivo.

- O Coaf procura um dos bancos de dados mais sofisticados, com o máximo de detalhes possível, para levantar o perfil da pessoa.

- Exatamente. Quanto mais informação disponível, melhor podemos fazer nosso trabalho. A gente enfrenta várias dificuldades nisso. Ciúme que alguns órgãos têm da sua informação.