Título: Maomé divide o Ocidente
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2006, Internacional, p. A9

EUA e Vaticano criticam publicação de charges do profeta. França pede equilíbrio

PARIS - Depois de avançar por toda a Europa, a confusão em torno da publicação de charges sobre o profeta Maomé, que enfureceu os árabes, acabou por dividir o Ocidente. Ontem, o primeiro-ministro da França, Dominique de Villepin, pediu a conciliação da liberdade e da democracia ao respeito às convicções religiosas. Alguns jornais franceses, como o France Soir , republicaram as charges em um ato de solidariedade aos veículos criticados na Noruega e na Dinamarca.

- Queremos evitar tudo o que fere inutilmente e, em particular, no âmbito das convicções religiosas - disse.

Na véspera, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, afirmou que prefere ''o excesso de caricatura ao excesso de censura''.

- A democracia é a possibilidade da crítica e da ironia - discordou Sarkozy.

A União de Organizações Islâmicas da França (UOIF), próxima dos Irmãos Muçulmanos, anunciou que processará todos os jornais franceses que publicaram caricaturas do profeta.

- Queremos uma condenação simbólica para que não se repita - disse Lhaj Thami Brez, presidente da UOIF, do Conselho Francês do Culto Muçulmano. O líder da UOIF afirmou que a imprensa não está ''acima de todos os poderes'' mas seu trabalho é ''regulado pela lei''.

Na Grã-Bretanha, onde os jornais não reproduziram as charges, o ministro das Relações Exteriores, Jack Straw, classificou de ''equivocada'' a decisão dos jornais. Straw elogiou a imprensa do Reino Unido.

- A publicação é desnecessária, desrespeitosa e insensível - declarou Straw.

Os Estados Unidos entraram no debate no lado islâmico.

- São charges ofensivas - disse o porta-voz do Departamento de Estado, Kurtis Cooper. - Reconhecemos a liberdade de imprensa, mas ela tem de ser acompanhada de responsabilidade.

O Vaticano fez eco às queixas. O cardeal Achille Silvestrini, diplomata que fez várias negociações com países árabes, disse que a cultura Ocidental precisa saber seus limites.

- A liberdade de sátira que ofende os sentimentos dos outros transforma-se em abuso, e estamos falando dos sentimentos de povos inteiros, que viram seus símbolos atingidos - afirmou ele, ao jornal Corriere della Sera. - Dá para entender a sátira sobre um padre, mas não sobre Deus - emendou, antes de acrescentar que, ''quanto ao Islã, dá para entender sátiras sobre os costumes e os comportamentos, mas não sobre o Alcorão, sobre Alá ou o Profeta''.

Nos países árabes, os protestos continuam avançando. Milhares de jordanianos saíram às ruas de Amã e das principais cidades do país para pedir ao Governo que rompa relações com a Dinamarca. Os participantes, pediram a manutenção do boicote aos produtos noruegueses e dinamarqueses. A manifestação, cercada por grande aparato policial, foi liderada por sindicalistas, deputados e membros da Frente de Ação Islâmica (FAI), a principal oposição jordaniana.

''Isto é parte da cruzada ocidental contra os árabes e os muçulmanos'' e ''devemos defender nosso profeta'' eram dois dos lemas da manifestação.

Nidal Abbadi, parlamentar da FAI, disse que a veiculação das caricaturas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten e sua reprodução em outros meios de comunicação é ''parte da campanha dos EUA e dos sionistas contra o Islã e os muçulmanos''.

As 12 caricaturas de Maomé foram publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em 30 de setembro e reproduzidas pelo norueguês ''Magazinet'' no último dia 10. Depois, outros veículos de comunicação europeus mostraram as caricaturas. Em um dos desenhos, Maomé aparece vestindo um turbante em forma de bomba com o pavio aceso.