Título: O dia do Senhor
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2006, Opinião, p. A11

Cada cristão tem o dever de celebrar o Dia do Senhor, como é chamado o domingo. Este mandamento abrange dois aspectos: participação da missa e abstenção de certas atividades. Tal preceito vem das origens da Igreja e sua observância não tem sido fácil. A Epístola aos Hebreus se refere a uma evasão na assistência aos ofícios: ''Não deixemos as nossas assembléias, como alguns costumam fazer'' (Hb 10,25).

São Lucas faz alusão a esse fato: ''No primeiro dia da semana (domingo), estávamos reunidos para partir o pão'' (At 20,7), e São Paulo dá instruções a ser executadas nessa ocasião: ''Quanto à coleta em favor dos santos, segui também vós as normas que estabeleci para as Igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de lado o que conseguir poupar'' (1Cor 16,1-2).

No final do século 1, a Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos determinava: ''Reuni-vos no Dia do Senhor (o domingo) para a fração do pão e agradecei (celebração eucarística), depois de haveres confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro'' (c.14).

No século 2, lemos a bela descrição da missa dominical, feita ao imperador Marco Aurélio por São Justino. Vêm bem delineados os traços da liturgia atual.

Em torno do ano 170, Dionísio, bispo de Corinto, escreve ao papa Sotero: ''Hoje celebramos o grande dia do domingo, durante o qual lemos a vossa carta'' (La Chiesa primitiva, de Lebretone Zeiler, pág. 401).

No início do século 3, a Igreja siríaca pedia que nem um só membro estivesse ausente da celebração dominical. Entre os francos, já no século 6, a santificação do domingo e dias santos foi sendo imposta sob penas.

A partir do século 7, o Dia do Senhor possui sua feição, como na comunidade eclesial de nossos dias: celebração da morte e ressurreição do Senhor, na eucaristia e dia de repouso.

Hoje, a posição da Igreja nos é apresentada pelo Concílio Vaticano II: ''Por tradição apostólica, que nasceu no próprio dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal. Neste dia devem os fiéis reunir-se para participarem da eucaristia e ouvirem a palavra de Deus. (...) O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar nos espíritos dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso'' (''Sacrosanctum Concilium'', nº 106).

O código de direito canônico estabelece: ''O domingo (...) deve ser guardado em toda a Igreja como o dia de festa por excelência'' (cân. 1246). E no seguinte: ''No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da missa; além disso, devem abster-se das atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do Senhor e o devido descanso da mente e do corpo''.

Essas prescrições, que remontam aos tempos apostólicos, hoje sofrem muitas restrições. Obstáculos são antepostos, por influências várias, à presença nas funções litúrgicas e à participação nos demais atos integrantes desses dias santificados.

Observa-se o arrefecimento do espírito de fé com a onda de hedonismo, a busca do prazer, a fuga do sacrifício. Uma liberdade mal entendida deixa de lado os direitos do Senhor e os compromissos do cristão.

Um outro fator negativo, que dificulta o cumprimento do preceito da missa dominical, é de ordem cultural, e está relacionado a hábitos e costumes de nossa época. O fim de semana tornou-se uma instituição que facilita o não cumprimento do dever religioso. Uns assistem à santa missa no sábado à tarde, antes de viajarem; outros, no lugar de destino ou nas imediações, mas há também os que se permitem simplesmente suprimir a participação no santo sacrifício.

Na verdade, alguém, impossibilitado por motivo grave, como a distância, saúde, obrigações imperiosas, está isento de pecado. Nestes casos, o código de direito canônico nos aconselha: ''Por falta de ministros sagrados ou por outra causa grave, se a participação na celebração eucarística se tornar impossível, recomenda-se vivamente que os fiéis participem da liturgia da palavra (...) ou então se dediquem à oração por tempo conveniente'' (cân. 1248 § 2).

Neste caso, a missa pelo rádio ou televisão, insuficiente para cumprir o preceito, concorre para que os fiéis atendam a essa recomendação do código. Além disso, é excelente momento para a elevação da alma a Deus.

O arrefecimento na assistência à missa angustia os pastores. Em muitas partes do mundo o problema preocupa. É o que lemos, por exemplo, na longa nota pastoral da Conferência Episcopal Italiana, com data de 15 de julho de 1984. Também a Conferência Episcopal da Alemanha, juntamente com o Conselho das Igrejas Evangélicas, publicou, em 25 de janeiro de 1989, um documento intitulado ''Nossa responsabilidade com o domingo''. E no mesmo ano, a Conferência Episcopal Holandesa divulgou o ''Celebrar comunitariamente o domingo'', no qual abordava inclusive o mau hábito do trabalho no Dia do Senhor.

A beleza do domingo, com sua extraordinária influência na vida do nosso povo, a necessidade para cada um de nós de louvar a Deus, nos fazem refletir. Cumprimos nosso dever cada domingo? Educamos toda a família para obedecer a este mandamento de Deus e da Igreja? Promovemos o verdadeiro sentido comunitário, da alegria, recuperando nossas energias nessa oportunidade semanal?

Voltemos à casa do Pai. Observemos o preceito dominical. Seremos abençoados por Deus.