Título: O erro dos radicais
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 12/02/2006, Opinião, p. A10

Como todos os atos balizados pelo fundamentalismo sectário, a violenta reação de grupos radicais árabes às charges do profeta Maomé, publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten, configura um atentado à própria causa que julgam defender. Os protestos - se é que se pode assim chamar os exemplos de intolerância, agressão irracional e insensatez - maculam a religião agredida pela imagem do mensageiro do Islã usando, entre outras coisas, um turbante transformado em bomba-relógio. As charges foram publicadas em setembro do ano passado. Depois, reproduzidas em outros jornais. Embora o comando do Jyllands-Posten tenha pedido desculpas, a polêmica espalhou-se como uma metástase. Transformou-se em acirrada batalha entre a União Européia e o mundo muçulmano. Virou uma espécie de guerra santa entre Ocidente e os árabes, da qual somente os grupos radicais e terroristas estão interessados em participar.

Os manifestantes incendiaram sedes diplomáticas de países escandinavos na Síria, no Líbano e no Irã. Segundo as regras internacionais, são territórios pertencentes ao país representado. Ameaças de bomba chegaram às redações de jornais europeus. Várias nações árabes chamaram seus embaixadores de volta de Copenhague. Boicotes de produtos dinamarqueses espalham-se por todo o mundo árabe. Muçulmanos de países como Índia e Indonésia vêm invadindo as ruas para queimar bandeiras da Dinamarca - que inclui a cruz, um dos símbolos sagrados do cristianismo. Palestinos gritaram ''morte à Dinamarca!''

A reação, segundo o jornal The New York Times, foi planejada num encontro da Organização da Conferência Islâmica, em Meca, a cidade sagrada para o Islã. Na reunião, em dezembro do ano passado, estavam líderes das 57 nações muçulmanas. O documento final do encontro expressava ''preocupação pelo aumento do ódio ao Islã e aos muçulmanos'' e condenava ''a profanação da imagem do profeta Maomé em meios de certos países que usam a liberdade de expressão como pretexto para difamar as religiões''. Conclusão evidente: os muçulmanos não merecem os porta-vozes de que dispõem.

Entre a liberdade de expressão e a violência, os líderes árabes parecem entender muito mais de derramamento de sangue. Uma das premissas do islamismo é a rejeição ao ''riso excessivo''. Trata-se de um dogma da religião, ao qual os muçulmanos atendem com fervor. Agem de maneira correta frente aos ensinamentos que aprenderam. Isso não significa, contudo, classificar de ''blasfêmia'' retratos nada elogiosos ao profeta Muhammad.

Se os autores das charges - e os editores que a publicaram - ultrapassaram os limites éticos, o contra-ataque deve ocorrer com palavras, sem o uso de armas. As mensagens de repúdio. Os protestos formais emitidos por grupos ou governantes das nações muçulmanos. Jamais pela guerra.

Mas não pensam assim os líderes árabes. No Líbano, o chefe do grupo xiita Hisbolá, Hassan Nasrallah, ameaçou: ''Se tivermos de escolher entre a humilhação e a guerra, não escolheremos a humilhação''. Trata-se de um entre muitos exemplos de como os grupos radicais, sob o patrocínio ou a tolerância de governos islâmicos, adotam a violência como política - inclusive com a contínua associação da cultura e dos símbolos judaicos e cristãos a tudo o que há de mais perverso no mundo.

Dois outros exemplos reafirmam tal premissa: o Hamas, grupo que venceu as eleições legislativas na Palestina, e o presidente do Irã, o insano Mahamud Ahmadinejad. Ambos pregam a destruição de Israel. Pretendem varrer o Estado israelense do mapa. Para tanto, organizam-se para ganhar eleições e praticar atentados. Enquanto a estrela de Davi é queimada pelo Hamas, o presidente-bomba chama o holocausto de ''farsa histórica''.

Não se espera que os árabes adotem os preceitos das democracias ocidentais. Tampouco se pode exigir o inverso. É exagero acreditar num confronto entre duas civilizações. Um jornal dinamarquês não pode ser identificado como se fosse toda a Europa ou o mundo ocidental. Nem o radicalismo sectário de grupos muçulmanos deve ser interpretado como símbolo dos povos islâmicos. O diálogo e o respeito serão sempre as melhores armas para dissipar conflitos iminentes. Com eles, a trilha que conduz à paz já é tortuosa. Sem isso, o percurso torna-se inviável.