Título: A luta para recuperar tesouros
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 12/02/2006, Internacional, p. A12

Por todo o mundo, países de onde saíram tesouros arqueológicos lutam para ter de volta parte de seu patrimônio. A onda inclui a Itália, que há três meses fez sentar no banco dos réus curadores de museus americanos acusados de recepção de artefatos contrabandeados. Também estão na briga o Peru, que reúne documentos para levar a Universidade Yale a juízo - por não devolver peças retiradas de Machu Picchu em 1911 -, e o México, que pediu à Áustria a devolução de uma tiara asteca, com 450 brilhantes esverdeados. A batalha pela recuperação histórica é antiga, foi inaugurada em 1820, quando a Grécia pediu que o Museu Britânico devolvesse os Mármores Elgin, mas raras vezes envolveu tantos Estados ao mesmo tempo. O próximo a entrar no ringue, apostam especialistas, será o Iraque.

- Nos anos 60 e 70, a moda no mercado negro eram peças do México e do Camboja. Agora, são os artefatos roubados de sítios arqueológicos da antiga Babilônia. São objetos belíssimos, vasos, pedras, medalhas com inscrições e figuras - revela ao JB Roger Atwood, autor do livro ''Stealing History: Tomb Raiders, Smugglers and the Looting of the Ancient World'' (''Roubando a história: violadores de tumbas, contrabandistas e saqueadores do Mundo Antigo'').

Atwood esteve no Iraque em 2003, logo depois que os americanos forçaram o ex-ditador Saddam Hussein a abandonar o poder, e lembra que o patrimônio babilônico estava sob pilhagem.

- Visitei seis sítios arqueológicos. Todos estavam sob algum tipo de assalto. Vi pessoas negociando as peças no meio da rua - conta. - Ainda hoje é difícil obter informações sobre o que restou, porque especialistas temem ser seqüestrados. Poucos se dispõem a ir lá investigar.

O americano tem certeza de que o Iraque é hoje o país mais vulnerável a saques ao patrimônio cultural.

- O crime é resultado da falta de autoridade, de lei, ordem e habilidade de proteger o patrimônio depois da ocupação feita pelos Estados Unidos - critica.

Quando os artefatos deixam seu local de origem de modo ilícito, a cadeia de informação da qual fazia parte é quebrada.

- Imagine um sítio recém-descoberto. O saqueador chega antes do arqueólogo e retira as peças do contexto. Ao vendê-las para colecionadores particulares, elas são aclamadas como obras maravilhosas. Mas raramente vão contar a história de onde vieram, da civilização que as produziu - diz Atwood.

- Estamos falando de gerações que crescem sem nunca ter visto uma imagem dos deuses que seus antepassados veneravam, comunidades privadas de conhecer o esplendor da própria história. Não se resume a um problema penal. É uma questão humana - avalia Guido Carducci, chefe da seção de Tráfico Ilícito do Departamento de Patrimônio Tangível da Unesco.

Uma vez que os arqueólogos consigam, aos poucos, montar o quebra-cabeça de uma civilização, também não adianta que as peças retornem ao país de origem mas que continuem nas mãos de particulares.

- A moral dos compradores não é suficiente a não ser que eles voluntariamente devolvam os artefatos ao Estado. A ''boa fé'' não impede que sofram as conseqüências legais de reter um objeto de relevância arqueológica - afirma Carducci.

Há ainda a questão do Egito e outros países da África que tiveram seus bens levados pelos Estados europeus no século XIX e durante as Primeira e Segunda guerras mundiais. Embora nenhum deles tenha ido a tribunais internacionais pedir a devolução de múmias, colunas de mármore e papiros, começa a tomar corpo uma tendência de levar algumas peças de volta para casa.

- A Itália também teve artefatos ''exportados'' e sabe que é difícil reavê-los, embora esta fosse a nossa vontade. Justamente por isso, estamos procurando ser honestos e retornar o que foi tomado sob força bélica. Recentemente devolvemos à Etiópia o Obelisco de Axum e a cabeça de uma estátua romana que ficava em território africano - ressalta Paolo Liverani, presidente da Associação Internacional de Arqueologia Clássica.