Título: Nas entrelinhas, recado à falta de pulso da ONU
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 12/02/2006, Internacional, p. A14

O projeto de distribuição de combustível reciclado dos Estados Unidos soa, nas entrelinhas, como um recado à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU). A opinião é do coordenador do Instituto de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser.

- O controle implícito nesse projeto parece um sinal de que os Estados Unidos estão buscando estruturas fora da ONU para desempenhar o papel que a AIEA, por exemplo, não tem cumprido - diz o professor brasileiro.

Nasser se refere ao programa nuclear iraniano, que amedronta o Ocidente e foi levado recentemente ao Conselho de Segurança da ONU. Em sua opinião, está claro que a agência não tem demonstrado pulso firme para evitar que o presidente iraniano, o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, se negue a cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Até agora, embora Ahmadinejad tenha comunicado oficialmente à AIEA que diminuirá sua cooperação, nenhuma sanção objetiva foi até agora aprovada.

Internamente, a idéia de Bush também manda recado e deverá fazer estragos.

Na análise feita por Nasser, a proposta de parceria com a Rússia num setor tão estratégico poderia não fazer sentido:

- Primeiro, é preciso lembrar que o presidente russo Vladimir Putin tem marcado uma posição de independência, de autonomia. Não caberia, portanto, sua associação aos EUA.

Mas o simples anúncio da intenção de se aproximar de um país com a importância estratégica da Rússia, para Nasser, é mais uma prova da mudança de tom de George Bush, que pode levar a um racha no próprio Partido Republicano:

- A idéia de associação com a Rússia, em si, não cabe no pensamento neo-conservador, que não admite acordos desse gênero com outras lideranças mundiais.

Segundo esse raciocínio, o presidente americano está avisando a seus neo-cons que eles não têm mais a força que tinham. É, lembra Nasser, um claro retorno à ''doutrina Henry Kissinger'', o ex-secretário de Estado americano que, durante a década de 70, fez movimentos de aproximação à China comunista.

- Bush está dizendo que os neo-cons não estão mais no controle. A secretária de Estado Condoleezza Rice, por exemplo, não é neo-con. Mas está no poder, vai para o Oriente Médio. O Rumsfeld vai para o Paraguai. - compara Nasser, referindo-se ao secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld.

O motivo dessa mudança, que Bush vai tornando pública gradualmente, não tem outro motivo além da percepção de que o povo americano tem reagido mal a políticas anteriores, especialmente as dos neo-cons.

- Os Estados Unidos não suportam mais nenhum conflito. A guerra do Iraque está insustentável tanto do ponto de vista econômico, quanto do político. Também não se pode perder de vista que este ano haverá eleições legislativos.