Título: A corte de Lula
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 12/02/2006, País, p. A6

BRASÍLIA - Com a iminente nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF) do desembargador Enrique Ricardo Lewandowski e as próximas substituições de Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence ¿ que se aposentam antes de chegar aos 70 anos de idade ¿ o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá feito sete dos 11 ministros da Corte Suprema. Os quatro presidentes civis anteriores não tiveram a mesma oportunidade. José Sarney, em cinco anos de mandato, nomeou cinco; Fernando Collor quatro; Itamar Franco um; Fernando Henrique Cardoso apenas três, apesar de oito anos de mandato. O Jornal do Brasil ouviu três dos mais conceituados advogados militantes nos tribunais superiores de Brasília sobre o que se tem chamado de ¿Corte de Lula¿. Quase todos eles consideram que, se os quatro ministros já nomeados por Lula vêm demonstrando que o presidente da República não está ¿aparelhando¿ o tribunal para servir aos interesses do Executivo e da esquerda de um modo geral, a mais recente indicação ao Senado é uma nova prova da ¿seriedade¿ com que o assunto é tratado pelo Executivo.

Dois dos advogados, que têm de permanecer no anonimato, em função das diversas causas que patrocinam no STF, atribuem o acerto da maioria das indicações ao assessoramento do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, respeitado advogado criminalista.

¿ Não faz sentido que um presidente da República indique para o Supremo pessoas cujo pensamento ou ideologia conflitem com suas próprias convicções ¿ comenta um desses advogados. ¿ Fernando Henrique nomeou Jobim, seu correligionário, o que me pareceu natural. Jobim lutou pela nomeação de Ellen Gracie. No entanto, a próxima presidente do STF definiu logo o seu espaço de completa independência em relação a Jobim.

Quanto aos nomeados até agora por Lula, o advogado que chefia um importante escritório na capital federal opina:

¿ Só Eros Grau parece ter sido escolhido por fortes laços de pessoais de amizade e ideologia, embora seja jurista de renome. Cezar Peluso veio do Tribunal de Justiça de São Paulo (como Lewandowski) e se mostra um julgador independente e moderado. Ayres Britto foi escolhido graças ao empenho do professor Celso Antonio Bandeira de Mello, e tampouco tem parecido disposto a servir de linha auxiliar do presidente.

Na opinião do advogado, o risco que se corre é Lula não demonstrar ¿suficiente formação intelectual¿ para escolher bem os ministros, ou que queira se valer apenas de laços de amizade do círculo íntimo de advogados sindicalistas.

¿ Mas não foi o que ocorreu na última escolha ¿ arremata. ¿ O futuro ministro Lewandowski tem um currículo acadêmico impecável, e a circunstância de que vem do ABC paulista apenas o engrandece. Nessa hora é que se vê o dedo prudente do ministro da Justiça, que por certo exerce um papel importantíssimo junto ao presidente.

Outro conhecido advogado, que milita no STF há 40 anos, faz apreciação rápida e objetiva sobre os cinco ministros indicados por Lula:

¿ Dois deles têm, indiscutivelmente, em alto grau, as qualificações exigidas pela Constituição, de notável saber jurídico e reputação ilibada: Cezar Peluso e Enrique Lewandowski. Ao longo de sua história, o Supremo tem acolhido pessoas dessa envergadura, que poderiam lá estar em qualquer tempo, independemente de quem os escolheu.

O advogado acrescenta que, ao longo dos últimos 20 anos, tem visto presidentes ¿frustrarem-se¿ com os votos de ministros por eles nomeados. Em novembro ¿ como lembra um terceiro advogado também muito renomado no Supremo ¿ o tribunal julgou o polêmico caso da liminar em mandado de segurança do ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, decidindo que o então parlamentar deveria mesmo ser julgado pelo plenário da Câmara, sem a volta do processo ao Conselho de Ética, mas com a supressão, no relatório final, das referências ao depoimento da testemunha Kátia Rabelo, presidente do Banco Rural.

A liminar acabou prevalecendo em parte, mas haviam votado contra a sua concessão cinco ministros, dos quais dois nomeados por Lula ¿ Ayres Britto e Joaquim Barbosa.

Também em novembro, contra os interesses do governo, o STF derrubou, por seis votos a cinco, o artigo da lei de 1998 que ampliou a base de cálculo das contribuições para financiamento da seguridade social (Cofins) e ao Programa de Integração Social (PIS). Com a decisão, a União vai ter de arcar com um prejuízo de cerca de R$ 30 bilhões. Dos seis ministros que votaram contra a União (a favor dos contribuintes), dois foram nomeados por Lula: Cezar Peluso e Ayres Britto.