Título: De nepotismo, concursos e fraudes
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 14/02/2006, Outras Opiniões, p. A11

O sétimo presidente norte-americano, general Andrew Jackon, era muito popular. Seu discurso inaugural levou a Washington o segmento popular mais pobre, cujo comportamento de admiradores exaltados produziu sérios problemas para o cerimonial e para o próprio presidente, que buscava fechar as portas atrás de si para fugir ao assédio. Muitas pessoas haviam viajado 500 milhas para ver o ídolo, e realmente pareciam pensar que o país havia sido salvo de terrível perigo. Ultrapassaram o cordão de isolamento da polícia nos degraus do Capitólio, incontroláveis para apertar a mão do presidente, tornando-lhe difícil alcançar o seu cavalo e montá-lo para dirigir-se à Casa Branca. Verdadeira massa humana o aclamou como o ''seu'' presidente, o dos humildes. Dele corre que foi dos últimos presidentes que, ao conquistar a vitória, disse apoderar-se do espólio, o que lhe dava o direito de demitir quem não quisesse no seu governo e admitir quem lhe fosse do seu agrado. Isto no século 18. Com o passar do tempo e a conquista da democracia, esse direito absoluto dos presidentes foi abolido. A admissão ao serviço público depende de concurso, e a demissão pressupunha processo administrativo regular.

No Brasil se deu o mesmo. Getúlio Vargas foi ditador até 1945, quando foi deposto. Pois durante seu tempo de presidente, conta Luis Vergara, seu secretário durante 18 anos, que nunca nomeou a filha, Alzira, secretária pessoal, a despeito de todas as justas tentativas de Vergara, pois ela já exercia informalmente a função, sem remuneração. No DASP, só mediante concurso. Os interventores estaduais, porém, tinham mais liberdade. Por isso, prevaleceu o regime do chamado ''pistolão''. O concurso é a garantia da nomeação pelo mérito. É justo, pois, que caiba ao presidente, ou outra autoridade pública, uma delimitada área de nomeações de pessoas de sua inteira confiança.

Desencadeou-se, a partir de tempo recente, um amplo movimento de caráter ético contra o nepotismo. Imediatamente, um deputado de esquerda, mas não do PT, apresentou um projeto de lei proibindo a nomeação de parentes de parlamentares, até o terceiro grau e demissão incontinente dos que o projeto considerasse haverem sido nomeados por nepotismo. Um brasileiro de reputação intocável, Hélio Bicudo, saudou a rejeição do projeto de lei, com argumentos legais, na Folha de S. Paulo, em 1992. Ele lembrava a norma constitucional que vem de 1824, dispondo que todos são iguais perante a lei. Aí surge a velha piada que ''alguns são mais iguais que outros''. O concurso é obrigatório para o serviço público, elimina o privilégio, mas a Constituição ressalva a nomeação, sem concurso, para cargo em comissão. Foi então apresentado um projeto de lei contra o nepotismo. Com incomum coragem Helio Bicudo aplaudiu a rejeição do projeto, que viola a norma constitucional, mas uma razão poderosa é que, no dizer dele: ''Nepotismo, hoje, não quer dizer apenas favores aos familiares diretos mas também àqueles que têm relações íntimas ou delas decorrentes com aquele que nomeia a companheira, os parentes da companheira, os amigos íntimos, os correligionários políticos''. E pergunta, ''pois todos que não são parentes, do ponto de vista legal, podem ser sujeitos de favores?'' O deputado tocou na medula do problema, arranhando condutas não mais éticas, mas simplesmente morais. Todavia, quando um Severino nomeia 17 parentes e um senador diz que nomeia a mulher porque é ''quem dorme com ele'' e a ''mãe porque lhe deu a vida'', praticamente anula o decente argumento de Hélio Bicudo. De fato, o prestígio da companheira tem a contemplada regiamente com nomeações para cargo de confiança. O exagero também vem dos puritanos e dos que defendem a proibição de nomeação de parentes até a terceira geração. No governo FHC, houve quem achasse prova de nepotismo do presidente nomear a filha secretária pessoal. Quem melhor conhece as idiossincrasias e preferências dele na correspondência pessoal? Getúlio - ressalta o seu secretário e biógrafo - foi até injusto com a filha.

O pior que se tem dado a respeito é a fraude nos concursos. Um órgão da Universidade de Brasília (CESPE), encarregado de concurso para o serviço público, respeitado até que se descobrisse a fraude, favoreceu candidatos fornecendo-lhes previamente a solução das provas. O responsável foi punido, mas o fato acaba de repetir-se no mesmo órgão. Difícil dizer qual o pior: os severinos ou os fraudadores?