Título: Cresce pressão popular
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 14/02/2006, Internacional, p. A13

O clima de instabilidade instaurado no Haiti com a demora na apuração das eleições, o que suscitou desconfianças de fraude, obrigou o Brasil - comandante da força de estabilização do país caribenho - a propor ontem a convocação de uma reunião emergencial com o Conselho de Segurança da ONU. A solicitação foi feita pelo chanceler Celso Amorim em uma conversa telefônica com Condoleezza Rice, secretária de Estado dos Estados Unidos, país que atualmente presidente órgão das Nações Unidas.

No mesmo dia, a população haitiana voltou às ruas para pressionar que René Préval seja declarado presidente ainda no primeiro turno, embora faltem 10% de votos para serem apurados e o candidato não tenha 50% dos sufrágios. Os manifestantes ampliaram os protestos ao impedir com barricadas o trânsito por Porto Príncipe. O hotel que funciona como quartel-general do Conselho Eleitoral Provisório (CEP) foi invadido por civis. Em uma das manifestações, um homem morreu baleado.

Segundo testemunhas, o jovem identificado como Júnior foi morto no bairro de Tabarre, Norte da capital, alvo de tiros disparados por soldados da ONU. Versão que o porta-voz da missão de estabilização (Minustah), David Wimhurst, nega.

- Os capacetes-azuis chegaram a atirar para o alto duas vezes, para controlar a confusão, sem ferir ninguém. Pouco tempo depois, na mesma área, foram ouvidos mais tiros. Soube-se então que uma pessoa havia morrido e que outras estavam feridas - contou Wimhurst ao JB, por telefone, de Porto Príncipe. - Mas os tiros não foram disparados pelos soldados contra a multidão.

O bairro é limítrofe para a patrulha dos contingentes brasileiro e jordaniano. Até a tarde de ontem, não estava claro quais soldados estavam envolvidos no incidente.

Pouco antes da morte do jovem, colunas de fumaça eram vistas por Porto Príncipe, sinal de que pneus e caixas estavam sendo queimados nas barricadas. Centenas de pessoas marchavam pedindo que Préval fosse declarado eleito, mesmo que o último resultado parcial tenha dado ao ex-líder tem 48,73% dos sufrágios. Ainda assim, tem ampla vantagem sobre o segundo colocado, Leslie Manigat (11,84%), e Charles Baker, que vem em terceiro (7,93%).

Devido ao clima de instabilidade, a organização Médicos Sem Fronteira (MSF) fechou seu hospital de pronto-socorro dentro da favela de Cité Soleil, onde a grande maioria dos eleitores escolheu Préval, político ligado ao ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, exilado na África do Sul. Novos protestos estão programados para hoje - dia em que o CEP prometeu divulgar os números finais do pleito.

- Vamos colocar 1 milhão de pessoas nas ruas. Não vamos aceitar uma derrota - afirmou Joel Joseph, líder comunitário do bairro pobre.

- Vocês ainda não viram nada. Vamos mostrar do que o povo é capaz - ameaçou um homem que se identificou apenas como Maurice.

Na escalada da pressão, civis invadiram o Hotel Montana, onde trabalha o CEP. As forças da Minustah, que guardavam o local, conseguiram retirar os invasores. Também hospedado no hotel, o Nobel da Paz sul-africano Desmond Tutu acalmou os manifestantes, conversando com o grupo da janela de seu quarto. Depois, o prédio passou a ser sobrevoado por helicópteros da ONU.

- Sabemos que as emoções são sempre fortes no Haiti, mas há que se ter prudência - pediu, de Brasília, Amorim. O chanceler ressaltou que Condoleezza se mostrou favorável à reunião na ONU.