Título: Os riscos da euforia
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 15/02/2006, País, p. A2

Mesmo vistas com cautela, as pesquisas alteram o curso dos fatos políticos. Os números, ontem divulgados, deixando os pré-candidatos do PSDB bem atrás do presidente Lula, chegaram em má hora para a oposição. O tempo parece curto para que se articule candidatura capaz de derrotar o atual chefe de governo. Descobrem, os oposicionistas de hoje, o erro que foi o instituto da reeleição. Sem entrar em juízo de valor sobre nomes e partidos, está claro que o sistema prejudica o princípio da alternância de homens e de idéias na direção da República. Com os dispositivos adotados para favorecer a reeleição de quem se encontrava na Presidência, a emenda tornou quase imbatível o titular do cargo. Os tucanos e pefelistas descobrem, hoje, que o que serve a Pedro, serve a Paulo. Mas se os tucanos e seus aliados começam a provar do remédio amargo que impuseram aos outros, os petistas devem advertir-se contra a euforia. Não é prudente subestimar o adversário. As forças conservadoras dispõem de armas poderosas. São organizadas, contam com grandes recursos, dispõem de simpatia externa e de apoio nos meios de comunicação.

Deve o governo preparar-se contra novas denúncias de corrupção. Entre a denúncia e a prova da inocência (ou da culpabilidade), os rumores sempre prejudicam os acusados. Calomniez, calomniez, il en reste toujours quelque chose, aconselham os cínicos. Da calúnia sempre sobra alguma coisa.

A experiência política brasileira mostra que o apoio das grandes massas, ainda que organizadas, não garante a estabilidade dos governos populares. Não houve, no Brasil, governo com tanto apoio junto aos trabalhadores pobres quanto o de Vargas - e sabemos o que lhe ocorreu. Seu sucessor, Juscelino, soube, com grande habilidade, manter ponderável parcela do apoio dos trabalhadores, mediante aliança com o PTB, ao mesmo tempo em que assegurava a adesão das classes médias urbanas e controlava os setores empresariais. Ele sabia que governar é criar expectativas, e as soube criar, com o desenvolvimento econômico, em todas as camadas da sociedade brasileira.

Há, ainda, uma coisa não bem assimilada pelos políticos: o povo é mais sábio do que se supõe, e descobre rapidamente quando o tentam enganar. Jânio contou com apoio popular até então desconhecido no Brasil, em razão da tendência natural dos eleitores à mudança e de seu discurso demagógico contra a corrupção - e o pouco entusiasmo de JK pela candidatura Lott. Sete meses depois da posse, Jânio descobriria que seu prestígio se esfumara. Esperava que as massas saíssem às ruas contra o Congresso, apelando para o seu retorno. O que se viu foi o alívio de todos - e, mais tarde, o golpe militar. Pela mesma experiência passaria Collor. Sua ascensão se devera ao mesmo e costumeiro discurso de austeridade, enquanto Paulo César Farias já achacava em seu nome. Quando pediu às massas - que, nos comícios, o idolatravam como se idolatram os divos das telenovelas - para se vestirem de verde-amarelo, na presunção de que suas fossem as cores nacionais, viu as ruas escurecerem na manifestação de nojo.

Todo favoritismo, em política, é precário. No caso de Lula, com o respeito que devemos ao homem que rompeu os preconceitos de classe e alcançou o mais alto cargo republicano, é melhor creditar o êxito, neste momento, aos tropeços da oposição. O PSDB demonstrou, nesse processo, ser mais paulista do que brasileiro, e não considerou quadros políticos importantes, como Tasso Jereissatti, do Ceará, e Aécio Neves, de Minas, com o temor de que São Paulo viesse a perder a hegemonia econômica e política que teve com Fernando Henrique e continua a ter com Lula.

Citamos Tasso e Aécio, por serem nomes mais conhecidos. Mas é bom entender que, em qualquer Estado da federação, e em todos os partidos, há homens honrados, inteligentes, cultos, com capacidade de liderança. Não se trata, em benefício da República, de discutir doutrinas e ideologias, mas sim de considerar o respeito que os candidatos tenham à democracia e ao interesse nacional permanente. O melhor do Brasil não se encontra necessariamente em São Paulo. O melhor do Brasil se encontra em todo o Brasil.