Título: Na origem do crime, um submundo de fraudes
Autor: Lígia Maria
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2006, Brasília, p. D5

Os catadores do Aterro do Jóquei estão revoltados por causa da morte de Ceilma Souza Santos. E também se revoltam pelos motivos que, segundo eles, estão por trás do assassinato. Os relatos das pessoas dão conta de um esquema que beneficia os baianos, grupo de oito atravessadores que compram materiais dos catadores e depois vendem para empresas de reciclagem. Eles seriam chefiados por Reginaldo Rodrigues dos Santos, dono de cinco dos 22 caminhões autorizados, pela Belacap, a acessar o local. Marcelo Ferreira de Vasconcelos, ator do disparo que matou Ceilma, seria sobrinho de Reginaldo. Segundo os catadores, no grupo haveria ainda um adolescente, de cerca 16 anos, que também usava um revólver dado por Reginaldo, assim como todo do grupo.

- Todo mundo vê esse garoto por aqui, sempre armado, mas ninguém denuncia - conta a catadora Nizete Barbosa, que trabalha no local há 15 anos.

Intimidados - Há pelo menos quatro anos os baianos alteram a balança que pesa os sacos de materiais coletados e ainda colocam barras de ferro para aumentar o peso do caminhão e assim interferir no preço a pagar pelo lixo.

Na terça-feira, quando procurou Marcelo, Ceilma reclamou da medição. A catadora dizia que os quatro sacos que havia entregue a ele, na segunda, somavam, no mínimo, 400 quilos. Enquanto o atravessador insistia em pagar por 275. No entanto, ela não se deu por vencida e começou a argumentar. Com a diferença, cerca de R$ 45, a catadora compraria o leite da filha caçula, Sara dos Santos, de um ano.

De acordo com Márcia Junia Barbosa de Carvalho, 17, e Adelmir Souza Santos, 23, que estavam com Ceilma quando ela foi assassinada, todos os que trabalham no local já enfrentaram situações de roubo, humilhação e ameaça. Porém, não têm coragem de contestar. Eles são intimidados pelas armas dos baianos, que já ameaçaram várias outras pessoas.

Márcia e Adelmir são casados há três anos e sempre são constrangidos pelo grupo. Marcelo Vasconcelos também atirou em Adelmir, logo após matar a catadora, mas não conseguiu atingi-lo.

Márcia conta que correu para a guarita, onde estavam três guardas, assim que viu Vasconcelos perseguindo o marido dela. Porém, eles não se moveram para ajudá-la e ainda permitiram que o caminhão dos baianos deixasse o local.

- Eu gritava: não deixa sair, que o Marcelo está escondido ai e ele matou a Ceilma. Mas não teve jeito - descreve Márcia.

Facilidades -Tão fácil quanto sair do Aterro do Jóquei, é entrar nele. O controle é feito apenas por uma lista, em que estão indicadas as placas autorizadas pela Belacap, órgão que emite a listagem. Não há restrições sobre armas ou orientações sobre como os guardas devem proceder em caso de conflito. Há apenas seis vigilantes para dar conta de sete mil quilômetros quadrados de área.

- Qualquer um pode entrar armado aqui - disse o vigilante Rodrigo, que não quis informar o sobrenome.

Expedito Apolinário, diretor de operações da Belacap, afirma desconhecer circunstâncias envolvendo armas. Ele informará a Secretaria de Segurança sobre os relatos dos catadores na manhã de hoje.

A Belacap também não possui um cadastro completo dos donos dos caminhões que recolhem o material no aterro. O órgão mantém apenas uma ficha, com o nome do proprietário e placa do veículo.

A assessoria da Qualix, que explora o Jóquei Clube, não foi localizada para dar declarações.

Marcelo Ferreira de Vasconcelos e Reginaldo Rodrigues dos Santos não tinham sido localizados pela Polícia até o fechamento desta edição. Marcos César, delegado titular da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), declarou que o crime está sendo investigado.

Medo - Episódios de brigas com tiros são fatos corriqueiros no Aterro do Jóquei. Isso ocorre porque, segundo os próprios vigilantes do local, não há como controlar a entrada de armas nem o clima de tensão, que gera as brigas. Segundo um dos vigias, que não quis ser identificado, ouve-se os tiros de longe, mas falta coragem para chegar mais perto e averiguar.

- Eles (os baianos) usam armas para intimidar. Todo mundo aqui sabe disso - conta.

Marcelo Vasconcelos, autor do disparo que matou Ceilma, era tido como um homem nervoso e que se altera com facilidade.

- Ninguém podia falar nada, nem reagir, sem que ele mostrasse a arma - afirma.