Título: Disputa pelo lixo deixa 12 órfãos
Autor: Lígia Maria
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2006, Brasília, p. D5

O lixo deixou doze crianças órfãs. A morte da catadora Ceilma Souza Santos, 39 anos, assassinada no Aterro do Jóquei na terça-feira, desamparou toda a família: a mãe da vítima e as crianças. Seis delas estão com a avó materna Almerinda dos Santos Nascimento, de 70 anos. Dona Almerinda não sabe como criará os netos e admite a possibilidade de mandar os quatro menores para um lar social, onde já estão outros quatro filhos de Ceilma. Ela diz que não tem mais saúde para cuidar de crianças e pretende ficar apenas com os dois mais velhos, ''que estão em idade de trabalhar''. Outros dois filhos da catadora moram com as avós paternas. Ceilma morreu no terceiro mês de gravidez de gêmeos.

- Uma vez ela me pediu para trazer a Sara para morar comigo, mas eu disse que não podia. Agora tive de buscar todas - declara a mãe de Ceilma, referindo-se à caçula da catadora, de um ano.

Dona Almerinda se diz desorientada com a preocupação por causa dos netos. Fala que é mulher simples e que a justiça não chega para pobre. Por isso, a incerteza pelo futuro dos pequenos, neste momento, é do tamanho da dor pela morte da filha e isso a incomoda mais até do que a vontade de que a Polícia prenda o acusado pelo assassinato. Ele é Marcelo Ferreira de Vasconcelos, que tem 23 anos e que agia como atravessador no mercado do lixo. Ainda está foragido .

Fernanda dos Santos, 18 anos, filha mais velha de Ceilma, pensa diferente da avó. A adolescente acaba de deixar a casa social, onde viveu por dez anos. Ela diz compreender os motivos que a mãe teve para deixá-la no abrigo e não tem ressentimentos. Ao contrário, Fernanda declara que não descansará enquanto não encontrar um caminho para buscar Justiça.

- Minha mãe não merecia morrer por causa do lixo. Ela era trabalhadora, não é justo -desabafa.

Agora a jovem pretende aceitar ajuda da deputada distrital Erika Kokay e planeja trabalhar para ajudar a avó.

Luta -João Paulo dos Santos, 5 anos, um dos filhos de Ceilma, vive com Dalva Maria da Silva, 52 anos, avó paterna do garoto. Ela viu a luta de Ceilma para criar os filhos e preocupa-se com o destino das crianças, porque sabe que dona Almerinda não tem idade nem saúde para cuidar das menores.

- Se pudesse, traria todas para morar comigo - afirma.

Dona Dalva também chora a perda de Ceilma, que, segundo ela, era forte e sofrida. A nora e amiga não levava desaforo para casa, mas era boa amiga e mãe preocupada.

- Ela era justa, batalhadora. Morreu tentando receber dinheiro que lhe pertencia, com o qual ia comprar o leite da Sara, que chorava em casa, com fome, no momento mesmo em que era morta - declara a ex-sogra de Ceilma.

Estima-se que, no Aterro do Jóquei, trabalhem 1.300 catadores. Segundo a Associação de Catadores da Ambiente, não é possível saber quantos desses trabalhadores são mulheres.