Título: Medo no morro e no asfalto
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2006, Rio, p. A11
O tiroteio na Rocinha começou por volta das 18h30. Há informações de que 40 homens chegaram à favela, à tarde, em quatro vans e vestidos de roupas pretas. Houve pânico. Com medo, as pessoas que estavam fora da Rocinha não subiram o morro durante o tiroteio. Outros moradores preferiram não voltar do trabalho para casa e a maioria dos comerciantes fechou as portas. O tiroteio se estendeu por pelo menos uma hora. Às 23h40, o Secretário de Segurança Pública esteve na entrada da favela. ¿ Houve uma tentativa de tomar o comércio de drogas da maior favela da América Latina ¿ disse.
Chefe do setor de investigação da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), a inspetora Marina Maggessi confirmou que traficantes rivais tentaram invadir a Rocinha. Segundo Maggessi, integrantes de quadrilhas do Complexo do Alemão e dos morros do Borel, Providência e Andaraí teriam se concentrado na Favela do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, para esperar a ordem do ataque. De acordo ela, desde o ano passado o morro em Copacabana vem sendo a base para um ataque à Rocinha.
¿ Eles tentaram várias vezes, mas sempre conseguimos abortar os planos. Um pouco antes do Natal passado, soubemos de uma nova tentativa. Mas dessa vez, em vez de a polícia ocupar a Rocinha, decidimos ocupar o Pavão-Pavãozinho ¿ contou Marina.
Segundo o tenente-coronel Aristeu Leonardo, relações-públicas da Polícia Militar, houve uma troca de tiros entre traficantes. Na versão da polícia, o tiroteio entre os traficantes durou apenas 10 minutos. De acordo com Aristeu, no momento da ação dos bandidos, 20 policiais do 23º BPM foram deslocados para a favela.
De acordo com a Light, o confronto interrompeu o fornecimento de energia elétrica na Rocinha e de parte do Alto Gávea a partir das 18h25. Uma segunda linha de distribuição que alimenta a favela foi rompida às 19h15 e 7.250 casas ficaram sem luz. Manobras no sistema de operações elétricas conseguiram religar o fornecimento apenas para 1.500 residências até as 22h10.
A companhia adiantou que os outros consumidores, a maioria da parte alta da Rocinha, não pôde ter a energia restabelecida, já que por questões de segurança os técnicos da empresa ficaram impedidos de religar o sistema.
O conflito entre traficantes rivais na Rocinha reacendeu o clima de medo na favela e no asfalto. Apavorados, moradores da comunidade temem novos confrontos e mortes. Eles acreditam que os traficantes da favela vão se vingar dos invasores do Comando Vermelho (CV). Na vizinhança, rajadas eram ouvidas dos apartamentos.
¿ A invasão na Rocinha era esperada. Não tinha data marcada, mas sabíamos que o pior estava para acontecer ¿ contou um morador.
B., moradora do Alto Gávea, que preferiu não se identificar, contou que às 16h30 de ontem começou a escutar fogos de artifício na parte alta da Favela da Rocinha, conhecida como Terreirão. Quinze minutos depois, os disparos começaram.
¿ O trânsito ficou completamente parado e ninguém conseguia subir e descer da favela. O filho da minha empregada ficou mais de duas horas parado dentro de um ônibus, sem conseguir chegar até a casa dele, que fica na parte alta do morro ¿ disse.
Da janela de sua casa, onde mora há dez anos, B. conseguia ver que toda a favela estava sem luz. Segundo ela, por três horas e meia, o Alto Gávea teve falta de energia três vezes. Das 19h30 às 20h tudo ficou completamente apagado.
¿ Dava para perceber que era um tiroteio entre traficantes porque foi usada artilharia muito pesada. Quando são policiais e traficantes a munição normalmente é mais leve. Eu via bazuca, granada e fuzis. Vivemos no meio de uma guerra e ninguém faz nada ¿ protestou a moradora.
O presidente da Associação dos Moradores da Gávea, René Hasenclever, contou que todo o tiroteio podia ser ouvido do Alto Gávea, situação freqüente em qualquer confronto na Rocinha.
¿ Sempre que há grandes tiroteios como este, a polícia reforça o patrulhamento na Rocinha e deixa a Gávea com menos policiais. É o velho problema do cobertor curto ¿ desabafou René Hasenclever.
O presidente da associação afirma que apesar das reuniões freqüentes com o comando do batalhão, não há muito o que fazer:
¿ O batalhão do Leblon, que também protege a Rocinha, está com poucos soldados e desaparelhado. A sede do batalhão está caindo aos pedaços ¿ reclamou o presidente da AMA Gávea.
Uma moradora de um prédio no Alto Gávea que não quis se identificar contou que ficou sem energia por, pelo menos, três horas. Da sua janela, na altura da Rua Osório Duque Estrada, era possível ver a parte alta da Rocinha também sem energia.