Título: O rastro do dinheiro
Autor: Mauro Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 17/02/2006, País, p. A2

Se outras razões não houvesse para o esvaziamento das comissões parlamentares de inquérito, haveria a da campanha eleitoral. Os seus integrantes sabem que não há mais tempo. Se quiserem renovar o mandato, terão que sair em campo, a fim de colher os votos, antes que outros o façam. Espera-se que a Polícia Federal e o Ministério Público, não sofrendo as angústias do pleito, continuem apurando os fatos e tomando as providências para que os culpados cheguem aos tribunais. Há muitas coisas que começaram a ser investigadas e não foram esclarecidas. Os cidadãos esperam que seja interrompida a rotina conhecida: um escândalo novo cobre sempre o escândalo velho, e os responsáveis continuam impunes. Se o livre tráfico de dinheiro na fronteira de Foz do Iguaçu vier a ser esclarecido, coisa que ainda não foi, teremos meio caminho andado para identificar as relações entre os criminosos organizados, a burocracia do Estado e a atividade política. O depoimento de Gustavo Franco à CPI do Banestado - CPI que se truncou, como tantas outras, quando nomes importantes começaram a ser mencionados - é bom roteiro para se chegar ao ponto crítico: o do desrespeito costumeiro à lei, em nome do mercado. Gustavo Franco - e isso deve ser repetido à exaustão - disse ali que às anomalias do mercado devem ser encontradas soluções também anômalas. Por isso, a diretoria do Banco Central havia emitido portaria que contrariava as normas vigentes, entre elas, a lei que criara o real. Alguns meses antes - e é bom relembrar mais uma vez - o ministro Mendonça de Barros, para justificar a violação das leis, dizia aos senadores que, sendo uma situação nova, a privatização das empresas estatais não poderia estar submetida às regras antigas.

Era necessário fazer tudo rapidamente. Havia, na globalização avassaladora, pressa em ''aproveitar as oportunidades'', porque em todo os países emergentes havia empresas estatais à venda. Além disso, Washington tinha também pressa em usar o Brasil como exemplo. E se a subvalorização dos ativos não bastava para atrair os compradores, fazia-se necessário o uso de títulos públicos - as chamadas moedas podres - comprados com deságio e aceitos pelo seu valor de face. Só faltou que se considerassem válidos para a operação os títulos e ações da época do Encilhamento. E se, ainda assim, os compradores não tivessem numerário, o BNDES estava mobilizado, a fim de se usar o dinheiro dos trabalhadores, recolhidos ao FAT, para lhes emprestar o capital exigido, a juros de seis por cento ao ano e longo período de carência.

Atribui-se a vários políticos da República Velha a norma de que a lei é para ser aplicada contra os inimigos, não contra os amigos. Mas, naquele tempo, os favores eram discretíssimos, se comparados aos de hoje. Muitas fortunas se fizeram, rapidamente, nos últimos lustros, principalmente na associação entre os gestores da economia e das finanças públicas e os banqueiros. Como disse um desses sacerdotes da moeda, o Banco Central deve sempre ''interagir'' com o mercado. Tem sido proveitosa essa interação: jovens economistas ganharam milhões e milhões de dólares ao assumir cargos executivos na banca privada, depois de passarem pela equipe econômica. Um deles deixou o Brasil, logo depois de enriquecido prematuramente, e se dedica hoje a criar cavalos de raça na Inglaterra. Outros se tornaram sócios de Daniel Dantas, embarcando na aventura empresarial que adotou o apropriado nome de Opportunity Funds.

Um dos equívocos do governo militar foi o de entregar as decisões de política econômica e financeira aos tecnocratas, sob o argumento de que era preciso blindar a administração contra a influência política. O que ocorreu, no curso do processo, foi a criação de nova e arrogante classe de tecnocratas, incapaz de gerir a economia para o desenvolvimento econômico, posto que inteiramente a serviço do capital especulativo.

A famosa lista de Furnas pode ser verdadeira, ou não, embora sejam evidentes os sinais de falsificação. Mas, para uma coisa, fictícia ou real, ela está servindo: ninguém está mais falando mais na CPI das Privatizações, nem no escândalo do Banestado.