Valor Econômico, 30/04/2020, Opinião, p. A14
STF barra nomeação na PF e impõe novo revés a Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro fracassou em mais uma tentativa de esculhambar as instituições da República em proveito próprio. Bolsonaro não mediu consequências políticas nem seu preço para buscar controlar a Polícia Federal, que investiga casos em que seus filhos estão envolvidos, em sua maior investida contra os instrumentos de controle estabelecidos pela Constituição. O presidente teve de voltar atrás depois que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, aceitou mandato de segurança do PDT e impediu a posse, por desvio de finalidade, daquele que seria o novo diretor-geral da PF, Alexandre Ramagem, amigo da família, marcada para a tarde de ontem. Bolsonaro desistiu da indicação.
Moraes, que também é responsável pelo inquérito sobre fake news, cujas apurações se aproximam de Carlos Bolsonaro, mencionou as declarações do ex-ministro Sergio Moro, de que o presidente da República buscou a troca no comando da PF para interferir politicamente na instituição e colher informações. O ministro do STF não precisou nem dar o benefício da dúvida às alegações de Moro. Elas foram confirmadas, segundo Moraes, pelo próprio presidente, em entrevista no mesmo dia, em que manifesta a necessidade de “ter todo dia ter um relatório do que aconteceu”.
Moraes barrou a indicação e indicou que não pretendia submeter sua decisão ao plenário do Supremo, o que sepultou as intenções de Bolsonaro. “Não é papel da Polícia Federal atuar como órgão de inteligência da Presidência da República”, anotou Moraes. Com a PF nas mãos, o presidente poderia não só influir sobre investigações que lhe digam respeito, ou a seus filhos, como também desencadear operações de perseguição política, tão ao gosto de personalidades autoritárias.
Os episódios do afastamento de Moro, o ministro mais bem avaliado de seu governo e um dos heróis dos bolsonaristas, revelaram que o presidente se sente dono da República, junto com sua família, e que acha que pode fazer o que bem entender. Em sua delirante entrevista para rebater Moro, Bolsonaro falou de tudo, menos do motivo para a troca do comando da PF. Por descaso à inteligência alheia, ou supervalorização da própria, deu até a entender que fez um ato de benemerência. Maurício Valeixo, então no comando da PF, já se declarara cansado e com vontade de sair do posto e ele se dispôs a atendê-lo.
Moro cedeu até onde julgou possível e abriu a opção de um novo diretor-geral, a ser por ele indicado, abrindo um alçapão para o presidente que, claro, não concordou, pois queria nomear quem quisesse e a urgência de fazê-lo, alegando inclusive o inquérito no STF sobre manifestações antidemocráticas da qual Bolsonaro participara. Depois saiu bufando dizendo que se o presidente não pode escolher o diretor-geral da PF, então que poder tinha? Tem o poder que lhe é dado, e circunscrito, pela Constituição.
Com Moro fora do caminho, Bolsonaro estava inclinado a deixar explícito o que pretendia: escolher o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, amigo de longa data da família e que trabalhou no gabinete de Eduardo Bolsonaro, para ministro da Justiça, que faria dobradinha com outro amigo, Ramagem, indicado para a Abin por Carlos Bolsonaro. Com este script e personagens, o presidente ampliaria seu poder e inscreveria o Brasil no rol de Repúblicas bananeiras.
O presidente não sofreu uma derrota completa em seus intentos. O novo ministro da Justiça, André Mendonça, entra com suspeitas de que será anteparo de Bolsonaro e com déficit de independência. É um dos poucos a ocupar a pasta sem poder escolher o diretor-geral da PF, além de ser cotado, pelo presidente, em público, para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Mendonça é avaliado por círculos fora do Planalto como competente e tem boa interlocução no STF, um atributo essencial no atual momento.
Como advogado do governo na AGU, Mendonça seguiu o protocolo, ateve-se à “presunção de veracidade” e cumpriu sua tarefa, defendendo a versão oficial dos fatos. A AGU disse que o presidente cumpre as determinações da OMS e do Ministério da Saúde na pandemia, quando Bolsonaro passeia todo pimpão em aglomerações e prega a volta ao trabalho desde o início.
Bolsonaro, porém, não desiste. Cobrou ações de Moro em seu favor, apoio e é certo que fará o mesmo com o sucessor. Mendonça tem cumprido bem e com afinco suas missões, resta ver qual será ela agora.