O Estado de S. Paulo, n. 47893, 02/12/2024. Política, p. A10

PF suspeita que desembargador do MS comprou casa de luxo com propina
Fausto Macedo
Pepita Ortega

 

 

Imóvel no litoral baiano foi adquirido por R$ 1,4 milhão em dinheiro vivo; magistrado não se manifestou.

O desembargador Júlio Roberto de Siqueira Cardoso, aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), comprou com dinheiro vivo uma casa de R$ 1,4 milhão no condomínio Quinta das Lagoas, na Praia de Itacimirim, no litoral Norte da Bahia. A Polícia Federal investiga se o imóvel foi adquirido com propina da venda de decisões.

O magistrado foi procurado pela reportagem, mas não atendeu aos pedidos de comentário. A casa tem cinco suítes climatizadas, oito banheiros, quatro vagas de garagem, piscina, churrasqueira, 436 m² de área construída e mil metros quadrados de área total. Em conversa obtida pela PF, o desembargador diz que o condomínio é “coisa de primeiro mundo”.

A Polícia Federal chegou ao imóvel depois de encontrar um comprovante de transferência de R$ 556 mil para o antigo dono da casa. A transação é de outubro de 2022. O banco confirmou que o valor foi depositado em dinheiro vivo e que “não foram identificadas transações que estejam relacionadas com o referido depósito”.

A PF também localizou um boleto de R$ 509 mil, pago pelo desembargador com dinheiro de origem ainda desconhecida. Para os investigadores, há “indícios de ilegalidade, na medida em que atualmente é extremamente rara a utilização de altas somas de dinheiro em espécie”. A informação consta na representação da PF que desencadeou a Operação Ultima Ratio, investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças no TJ-MS.

OCULTAÇÃO. Em outro trecho do documento, a PF afirma que há “indício de ocultação de parte do valor pago, o que pode configurar crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista a utilização de dinheiro em espécie de origem desconhecida (R$ 556.400,00), além de outros valores de origem também desconhecida, podendo ser decorrentes de corrupção”.

Ao analisar as movimentações bancárias do desembargador, a PF encontrou nove transferências para o antigo dono da casa, entre outubro de 2022 e novembro de 2023, que somam R$ 924 mil.

Em conversa sobre os pagamentos, Júlio Cardoso afirma que “vai mandar essas quatro (transferências) de 200 .O interlocutor, identificado apenas como João, responde: “Dentro da sua conveniência você vai transferindo. É até bom que você faça isso Júlio, porque se você transferir tudo dum valor só, desperta o banco. Se você puder botar de 200. Não tem problema. Não tem data. Fica a critério seu.”

As mensagens de áudio, enviadas no WhatsApp, foram encontradas na nuvem do desembargador, que teve o sigilo telemático quebrado.

RECEITA. Outra casa está na mira da PF. É um imóvel de 351 metros quadrados em um condomínio de luxo em Campo Grande. O desembargador declarou à Receita Federal que comprou a casa por R$ 1,4 milhão em 2018. Segundo a PF, o imóvel vale pelo menos R$ 3,5 milhões. “Assim, a nosso ver, há indícios de que Júlio Cardoso declarou valor de aquisição de tal imóvel abaixo do real para ocultar a origem dos recursos utilizados, podendo ter natureza ilícita”, afirma a PF.