Valor Econômico, 30/04/2020, Política, p. A10
Bolsonaro e Doria trocam ataques
Daniel Gullino
Leila Souza Lima
Após minimizar diversas vezes os riscos do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a responsabilidade das mortes registradas até aqui é dos governadores, e não dele. A declaração um dia após Bolsonaro responder “e daí?” e perguntar o que ele podia fazer depois de ser questionado sobre novo recorde de mortes pela covid-19 no país, que já passam de 5 mil.
Bolsonaro argumentou que, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e prefeitos têm autonomia sobre as medidas restritivas no combate ao coronavírus, e por isso precisam explicar porque as mortes continuaram mesmo após essas medidas serem tomadas. “Questão de mortes, a gente lamenta as mortes profundamente. Sabia que ia acontecer. Agora, quem tomou todas as medidas restritivas foram governadores e prefeitos”, disse Bolsonaro, acrescentando: “Essa conta tem que ser perguntada [sic] para os governadores. Perguntem ao senhor João Doria, ao senhor [Bruno] Covas, de o porquê terem tomado medidas tão restritivas e continua [sic] morrendo gente. Eles têm que responder. Vocês não vão colocar no meu colo essa conta.”
Questionado se não tinha nenhuma responsabilidade sobre as mortes, o presidente foi ríspido: “A pergunta é tão idiota que eu não vou responder.”
Horas, depois, Doria respondeu ao presidente. “Venha ver [em São Paulo] a gripezinha, e as pessoas agonizando nos leitos, presidente”, provocou. “Se não quiser vir a São Paulo, vá a Manaus”, disse, referindo-se ao colapso do atendimento à saúde na capital do Amazonas.
O governador falou da dor de mães, pais e avós que perderam pessoas que foram infectadas pelo coronavírus. “Respeite médicos, enfermeiros e profissionais de saúde, presidente”, disse Doria. “Pessoas que em vez de treinar tiros, estão trabalhando para salvar vidas”. Bolsonaro foi treinar no domingo em um estande de tiro em Brasília.
O governador disse que, para Bolsonaro, vidas são uma questão numérica. “Eu, como governador, não acho que vida é número. Nem meus filhos são tratados por número, mas pelo nome, com carinho, com amor”, provocou.
Doria disse que o país começa a entrar na fase mais difícil da pandemia da covid-19. “Isso não só em São Paulo, mas em todo o Brasil”, alertou. Coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, David Uip reforçou a fala do governador, ao explicar que, com base em cenários e modelos epidemiológicos, os números de casos confirmados e mortes tende a subir. “O que prevíamos está se confirmando”, ressaltou.
O governador finalizou a coletiva como abriu, criticando o presidente Jair Bolsonaro. “Ao invés de treinar tiros, treine compaixão”, provocou. “Certamente, o senhor será melhor reconhecido pelo seu povo”, disse Doria.