Título: Lessa 'morde e assopra' Mantega
Autor: Samantha Lima e Julia Ribeiro
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2004, Economia, p. A19

Ex-presidente do BNDES elogia substituto, mas ressalva que ministro ainda não é ''brasileiro com B maiúsculo'' como Furtado

O segundo dia do velório do corpo do economista Celso Furtado colocou lado a lado o ex-ministro do Planejamento Guido Mantega e o economista Carlos Lessa, pela primeira vez nas condições de presidente nomeado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e presidente exonerado da instituição, respectivamente. Próximo de seu sucessor, Lessa, que no dia anterior havia se referido a Celso Furtado como ''brasileiro com B maiúsculo'', afirmou que Mantega é ''um bom brasileiro, mas não com B maiúsculo''. O encontro já havia ocorrido rapidamente e de forma casual minutos antes, na entrada do salão nobre da Academia Brasileira de Letras, onde era realizado o velório do economista. E se repetiu pela intervenção do senador Eduardo Suplicy, que chamou Mantega para participar da conversa que mantinha com Lessa ao lado do caixão. Inicialmente, Lessa evitou comentar sobre o BNDES, mas, ao fim, seu hábito de falar o que pensa acabou sendo mais forte.

- Aqui não é lugar para comentários políticos. Para todos nós, a morte de Celso Furtado é uma coisa muito chocante. Para mim, em particular, porque é uma sucessão de eventos que está me arrebentando emocionalmente - disse Lessa, referindo-se também à sua demissão do BNDES, na última quinta-feira. - Mas, se vocês querem saber, eu gosto do Mantega, me dou bem com ele, que é um bom brasileiro. Não é ainda com ''B'' maiúsculo, mas é um brasileiro. Na medida do possível, ele vai impedir que se instale o estado de coisas que encontrei no BNDES.

- Pode ficar tranqüilo - disse Mantega, sendo interrompido por Lessa:

- Não tive oportunidade de conversar com o Mantega, mas vamos manter um diálogo aberto e sem problemas.

Suplicy interrompeu:

- Na memória do Celso Furtado - comentou, sendo também interrompido por Lessa.

- Não, pelo Brasil.

Único ministro a comparecer ao segundo dia do velório de Celso Furtado, morto no sábado à tarde de parada cardíaca, Mantega retirou-se logo em seguida, afirmando estar com vôo marcado para Brasília. Hoje, ele se encontra com seu antecessor no BNDES. Pouco depois de chegar ao velório, afirmou que considerava Lessa ''um grande economista''.

- Modestamente, me considero tão desenvolvimentista quanto o Lessa. Mais importante do que as diferenças é enfatizar as semelhanças. Vou recuperar o papel histórico do BNDES, aprofundando as características de banco de desenvolvimento - disse Mantega, que também comentou sobre Celso Furtado. - Ele é pai do desenvolvimentismo do Brasil. Defendia um crescimento com distribuição de renda e igualdade social. Estarei lá imbuído de seus ideais, que, à frente do banco, poderei tornar realidade.

Mantega ressaltou o papel do BNDES na execução das Parcerias Público-Privadas (PPPs).

- Estarei do outro lado do balcão, ajudando a viabilizar algo que ajudei a construir do outro lado, em Brasília.

Sobre a burocracia no repasse de recursos pelo BNDES, apontada como um dos motivos que teriam levado Lessa à demissão, Mantega disse que se trata de ''uma preocupação permanente do governo federal''.

- O governo sempre tem que buscar ser o menos burocratizado possível e isto será o princípio do BNDES. Será um desafio para mim conseguir colocar os U$ 20 bilhões em crédito. Se conseguirmos, significa que o Brasil crescerá a 4,5%, 5% ao ano e com sustentabilidade - finalizou.