Título: Perto de um final feliz
Autor: Rodrigo Fonseca
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2004, Caderno B, p. B1

Canal Brasil se afasta da crise e investe em novos temas e programas para continuar crescendo em 2005

O filme que o Canal Brasil até bem pouco tempo viveu não tinha o astral de folião das chanchadas de Oscarito, Grande Othelo e cia, que contam com lugar cativo em sua programação desde seu surgimento, em 1998. Uma dívida milionária, em torno de R$ 10 milhões, somada a um número mirrado de espectadores e um menor ainda de anunciantes fez com uma das opções mais cult do cardápio da Net vivesse uma realidade mais próxima dos calvários retratados pelo Cinema Novo do que dos carnavais da Atlântida. Um amargo The End pairava sobre o futuro da emissora até que uma reestruturação iniciada oito meses atrás, sob os auspícios de Paulo Mendonça, novo diretor-geral da emissora, mudou sua sorte. Desde março, Mendonça¿ adepto da mentalidade que cinema nacional pode até ser a maior diversão, mas não a única ¿ modificou a antiga grade. Convocou personalidades como Selton Mello, Angela Ro Ro e Paulo César Peréio para capitanear, respectivamente, os programas de entrevista Tarja preta, Escândalo e Sem frescura ¿ recebidos com carinho por crítica e público ¿, abriu espaço para longas-metragens inéditos da vizinha Argentina na sessão Cone Sul, desencavou clássicos do documentário que a Censura militar silenciou e emprestou à música popular brasileira um fértil quinhão no latifúndio antes só relegado ao celulóide. Não por acaso será um show de Ney Matogrosso, batizado de Canto em qualquer canto, a principal atração de fim de ano do canal, previsto para ir ao ar no dia 23 de dezembro.

Suas medidas podem até não ter ampliado a quantidade de reclames publicitários nos intervalos, mas fizeram com que o ¿canal do cinema brasileiro¿ tivesse um crescimento de 85% em sua audiência diária, avançando seis posições no ranking das TVs por assinatura ¿ agora está em 32º lugar, segundo o Ibope. A dívida, que se arrastava, já começou a ser paga. E assim, o final infeliz antes iminente agora é pura ficção.

¿ Em 2003, estivemos para fechar. As mudanças foram um esforço de oxigenação. O cinema brasileiro não ofereceu competitividade ao canal, nem atratividade aos anunciantes. Isso porque há uma cultura massificada de importação de produtos audiovisuais estrangeiros que faz com que Jack Nicholson desperte muito mais o interesse do espectador do que Zezé Macedo ¿ diz Paulo Mendonça, justificando porque alterou a filosofia originária do canal, ampliando o foco de suas atrações para além das idéias na cabeça de quem tem uma câmera na mão.

¿ Não deixamos de ser o canal do cinema nacional, mas queríamos, até para fazer jus ao ¿Brasil¿ do nome, ser um canal de cultura, com todo o ônus que essa palavra agrega, de modo a contemplar toda a diversidade brasileira.

Se o menu previsto para 2005 vingar, e tudo indica que vai, o Canal Brasil tende cada vez mais a ser uma referência de variedades. Claro que algumas das estréias para o próximo ano mantêm diálogo direto com a telona. Uma delas é Mil faces, série que vai explorar os bastidores da maquiagem no cinema nacional. O mesmo vale para Bahia Brasil, programa que vai mergulhar na realidade baiana, através de perfis e entrevistas cedidas pela TV Salvador, mas que sempre reservará lugar para um curta-metragem local.

¿ E possivelmente para um longa da Bahia ¿ acrescenta Mendonça, que não descuidou da frente musical.

Ele fechou com a gravadora Trama um pacote de 13 shows, incluindo os de Tom Zé e o de César Camargo Mariano com o filho Pedro. Também está na lista Filmes de guerra, canções de amor, dos Engenheiros do Havaii, com arranjos de Wagner Tiso, e um show de Erasmo Carlos. O teatro brasileiro também não ficou de fora dos planos. Com apresentação do ator Eduardo Moskóvis, o programa Terceiro sinal, cogitado para ir ao ar em fevereiro, abordará o universo das artes cênicas.

Revelar peculiaridades do povo brasileiro também está na pauta de Mendonça. Esse é o papel da série de minidocumentários A cara do Brasil, com direção de Thereza Jessouroun (do consagrado Arturos) e apresentação de Lázaro Ramos, que sai atrás de figuras representativas de diferentes regiões do país.

¿ A idéia é traçar, em cerca de cinco minutos, o perfil de pessoas que simbolizem de alguma forma o lugar do Brasil onde vivem. Vamos começar o projeto com personagens de São Paulo, de Salvador, do Pantanal e do Amazonas, sendo que o piloto trará alguém do Rio ¿ diz Thereza.

Duas paixões nacionais terão sua mítica desvendada pelo Canal Brasil ao longo de 2005. O futebol é a vedete do Canal 100, que estreou na grade no sábado, relembrando lances históricos dos maiores times do país. E coube a Hugo Carvana investigar as lendas da mais popular bebida nacional na série A danada da cachaça, com lançamento previsto para o ano que vem.

¿ A proposta é viajar pelos velhos alambiques do país, percorrer a região do Rio São Francisco, onde dizem fabricar algumas das melhores aguardentes do país, enfim, buscar conhecer a história brasileira a partir da cachaça, analisando sua presença em manifestações culturais e religiosas, sua ligação com a crendice popular. É uma forma de celebrar o prazer de uma boa branquinha ¿ diz o diretor de Apolônio Brasil.

Novas temporadas para Tarja preta ¿ que rendeu a Selton Mello o prêmio Qualidade Brasil de melhor programa de TV por assinatura ¿, Escândalo e Sem frescura já foram asseguradas por Mendonça. Paulo César Peréio orgulha-se do êxito de seu talk show ¿ Até o Caetano Veloso já disse que meu programa é o melhor na TV brasileira. Tô bombando! ¿ celebra Peréio.