Título: Legislação está mais tolerante
Autor: Leandro Bisa e Gustavo Igreja
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2004, Brasília, p. D3

A mudança da legislação penal que a polícia tanto quer, na esperança de que acabe diminuindo a possibilidade dos criminosos voltarem tão cedo à ativa, no entanto, já vem ocorrendo, mas com contornos bem diferentes do esperado pelos policiais. Segundo o juiz Gilmar Tadeu Soriano, da Central de Coordenação da Execução de Penas e Medidas Alternativas (Cepema) do DF, cada vez mais a legislação é permissiva com quem é preso cometendo crime. De acordo com ele, nos últimos anos, as reformulações no Código Penal têm contribuído progressivamente para o abrandamento das punições para cada infração. Hoje, por exemplo, se a pena prevista para o crime será provavelmente substituída por medida alternativa, dificilmente o infrator aguardará preso pelo próprio julgamento. Basicamente, só os crimes de maior potencial ofensivo, em geral, mantêm o criminoso atrás das grades antes da sentença.

- Existe uma figura chamada princípio da inocência que deixa o juiz, de certa forma, com as mãos atadas. É basicamente o seguinte: se não foi condenado [antes], então não pode manter preso - comenta ele.

Trocando em miúdos, se alguém é preso por furto, um crime em que não há violência à pessoa, e sai em cinco dias, pode ser preso de novo em uma semana pelo mesmo motivo que, provavelmente, mais uma vez não ficará encarcerado. A não ser que o julgador veja naquele infrator uma ameaça à sociedade. Quando o preso não tem condenação pesando sobre ele, a questão é invariavelmente ''mais solta'', conforme afirma o magistrado. Se cumpre pena alternativa, ou está em regime aberto ou semi-aberto, perde na hora o benefício.

- Nesses casos, o julgador tem de valorar, até de acordo com o tipo de furto, se aquele indivíduo começa a se tornar uma ameaça à ordem pública. Na segunda, terceira vez que o juiz vê o sujeito, já tem motivo para deixá-lo preso preventivamente, de acordo com o crime. Uma coisa é tomar saco de arroz do supermercado, outra é furtar um carro. Se a polícia constata ter preso um especialista, esse último não fica solto se for pego uma segunda vez - afirma o juiz.

Conforme explica Gilmar Soriano, não são só os juízes que estão sujeitos a seguir estas normas. Na grande maioria dos casos, ainda na delegacia, o delegado tem de liberar o sujeito. Ele garante que 90% dos presos não chegam imediatamente a um magistrado, sendo soltos pelo próprio delegado - mediante pagamento de fiança muitas vezes - como manda a lei.

- Aí, é lógico que o policial fica frustrado. Ele está ali na linha de frente, dia-a-dia, dando a cara para bater. Se um criminoso é pego e, na mesma hora, é colocado em liberdade, é um estímulo sim para que continue cometendo crime. Mas a legislação manda. E, para se ter uma idéia de como ela fica menos rígida: agora, estão estudando progressão de regime para crimes hediondos, como estupro - lamenta o julgador.