Título: Corte de salário foi blefe
Autor: Renata Moura, Josie Jeronimo e Mariana Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 19/02/2006, País, p. A2

A promessa do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), era cortar o ponto dos deputados faltosos durante a convocação extraordinária. Concluídos os trabalhos ao longo do recesso parlamentar, no entanto, ninguém deverá sofrer descontos nos salários. Não que os deputados e senadores tenham sido primorosos no quesito presença. Longe disso. Mas o regimento interno da Casa é benevolente. De acordo com a diretoria de Recursos Humanos da Câmara, o estatuto não prevê descontos por faltas neste período, ainda considerado recesso tecnicamente.

A única possibilidade de punir quem esticou as férias e andou longe de Brasília seria suspender a segunda parcela da remuneração extra. Até mesmo para essa punição há, nas regras da Casa, uma lacuna que favorece a maioria. Só permite o corte da remuneração diária de R$ 1.700 dos que faltaram a mais de um terço das sessões de votação, ou pelo menos seis das 15 em que se votou algo.

Por enquanto, a punição não afeta ninguém. Até porque a 17ª Vara da Justiça Federal, a pedido do PSOL, concedeu liminar contra o pagamento da segunda parcela da remuneração extra. A Procuradoria da Câmara já apresentou recurso, mas não há grandes esperanças. Principalmente, depois da aprovação da emenda constitucional que acaba com o pagamento de mais dois salários pela convocação extraordinária. Apenas 106 dos 513 deputados abriram mão, espontaneamente, do benefício. Os outros, passaram a somar 17 salários em um ano.

A Câmara não informa quais foram os deputados mais faltosos, mas levantamento feito pelo Jornal do Brasil mostra que, apesar de avançar na pauta de votações, a média de presença em plenário foi de 34%. Ou seja, apenas um terço dos 513 deputados que compõem o quadro da Casa. O levantamento mostra ainda que, no último mês da convocação, apenas 45% das sessões alcançaram quórum mínimo de 51 parlamentares.

O presidente da Casa não seguiu os próprios apelos. Compareceu a 22 sessões, 12 a menos que o mais assíduo, o deputado Pastor Frankenbergen (PTB-RR). Presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), também não seguiu o exemplo do colega de legenda. Um dos que se diziam mais interessados no quórum do plenário para contagem de prazos no conselho, Izar apareceu a pouco mais da metade das sessões.

O deputado apareceu 24 vezes na Câmara nos 43 dias úteis da convocação. O número está próximo do petista que corre o risco de ser cassado, Professor Luizinho (SP), presente 18 vezes. Clóvis Fecury (PFL-MA) é campeão. Só pisou quatro vezes na Câmara durante todo o período. Nem por isso, abriu mão dos dois salários extras. Se a liminar do PSOL for derrubada e o pagamento, autorizado, Fecury receberá, sem remorço, a segunda parcela de R$ 12,8 mil.

A assessoria do deputado maranhense afirma que enviou à Mesa Diretora um pedido de ''licença para tratar de interesse particular''. No entanto, o regimento da casa é claro quanto às justificativas de falta durante sessões plenárias: ''Fará jus à percepção dos subsídios o parlamentar que se encontrar em missão oficial e nos casos de doença comprovada por atestado de junta médica oficial, licença gestante, acidente e ainda nos casos de internação em instituição hospitalar'', diz o parágrafo 4º do ato conjunto de 30 de janeiro de 2003.

Márcio Fortes (PSDB-RJ) também não se importou muito em garantir presença na convocação extraordinária. Das 15 sessões, faltou a sete. Desde dezembro, segundo registros, Fortes só esteve na Câmara em nove dias. E até o momento não procurou justificar-se.