Título: Na contramão da euforia, petistas fazem alerta
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 19/02/2006, País, p. A5

As pesquisas eleitorais convergiram: Lula recuperou os índices anteriores à crise do mensalão e já começa a abrir vantagem sobre José Serra - o mais temido perseguidor - num eventual segundo turno. Na maré de euforia, o presidente deixa escapar palavras carinhosas para os companheiros do PT envolvidos no escândalo, enquanto tenta manter ou reativar as mesmas e polêmicas alianças com partidos como o PT, PTB e PL. A queda da verticalização funciona como um sinal verde para todo tipo de composição nos estados. Embalada pelas pesquisas, a Operação Amnésia produz frases como ''o mensalão nunca existiu'', enquanto próceres do governo argumentam que a maioria da população não foi na onda da campanha oposicionista. Na contramão da euforia desponta, no entanto, uma reação no front interno que promete dar dor de cabeça à corrente majoritária do PT. Nomes expressivos, como o secretário-geral do partido, Raul Pont, e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Antonio Carlos Biscaia, alertam para os perigos de uma provável reeleição baseada na mesma estratégia de 2002. Convergem também no entendimento de que mesmo uma possível vitória de Lula não evitará sérios danos ao PT.

- Não temos dúvidas de que o PT vai encolher a bancada federal. Há, também, uma forte possibilidade de que os candidatos independentes e críticos, que não contam com a máquina partidária e do governo, sejam os mais prejudicados. Esse fenômeno ocorreu, por exemplo, na Câmara Municipal de São Paulo - relembra Biscaia.

Raul Pont não se entusiasma com a proposta do presidente do partido, Ricardo Berzoini, que quer congelar, por enquanto, o debate sobre temas polêmicos como a continuação da política de alianças:

- O partido quer o debate interno sobre as nossas estratégias e diretrizes. Se para ganhar a eleição todas as alianças são possíveis, podemos até ter êxito nas urnas mas estaremos encurtando o caminho para a nossa derrota como legenda. O PT nasceu em torno de um projeto. É para isso que foi criado.

Os últimos números mostram que os votos para Lula cresceram nos grotões, em áreas muito pobres, dominadas por caciques locais, onde os programas assistenciais do governo federal ganham mais força. É um fenômeno eleitoral decorrente da estagnação econômica nas últimas décadas, semelhante ao da alta votação de candidatos a vereador e deputado estadual que mantém ''centros sociais'' em áreas periféricas das metrópoles, com uma ampla gama de serviços oferecidos de graça.

Pont ressalta que nas áreas mais politizadas dos centros urbanos, o PT e o eleitorado de Lula vêm experimentando perdas, como acontece sobretudo em alguns estados e cidades importantes do Sul.

- Em Porto Alegre, por exemplo, onde tivemos vitórias sucessivas até 2002, graças a nosso êxito administrativo, estamos com resultados muito ruins nas pesquisas. Certamente é uma reação do eleitorado mais crítico aos deslizes do governo e do PT nacional.

Antonio Carlos Biscaia argumenta que a direção do partido não pode agir como se nada tivesse mudado:

- O campo majoritário não pode continuar atropelando, impondo qualquer tipo de aliança. O partido não é o mesmo. Melhorou a composição dirigente, após a última eleição interna.

Biscaia vai direto ao assunto: se, no Estado do Rio, for imposto no segundo turno apoio ao senador Marcelo Crivella, numa aliança local, ele não vai seguir a determinação:

- Só admito alianças com quem temos afinidade.

Na mesma linha, Raul Pont estranha o apoio ''subreptício'' do Planalto ao fim da verticalização, quando a bancada do PT na Câmara era contra.

- Expulsamos gente por falta de fildelidade partidária e agora parlamentares deixam de seguir a orientação da bancada. É incoerente.

Na avaliação de Pont, um projeto de poder não pode justificar certas práticas como a de manter o rateio do Orçamento entre os parlamentares:

- Se para manter a governabilidade temos que concordar com essa prática vergonhosa, não vale a pena chegar ao poder. É melhor ser oposição do que aceitar certos acertos políticos.

O secretário-geral do PT não aceita a explicação de que certas concessões devem ser feitas em nome da governabilidade. Cita o exemplo de prefeitos do PT em Porto Alegre que governaram sem maioria e tiveram aprovação popular, com propostas como o orçamento participativo. Pont concorda com a tese de que um governo que não precisa fazer conchavos tem mais autoridade para moralizar a máquina pública, desalojando grupelhos e máfias e com isso recuperando dinheiro que antes ia para o ralo.

- Por que não se fez a reforma política, já que o atual sistema eleitoral não presta? A lista partidária é muito mais civilizada do que esta excrescência que temos aqui. É inadmissível, por exemplo que a Câmara custe mais de R$ 4 bilhões por ano, mais do que o orçamento de uma capital como Porto Alegre.

Se os métodos e costumes partidários provocam polêmica no PT, um cientista político que estuda sistemas eleitorais chama a atenção para o fato de que, além do PT, os outros partidos diretamente envolvidos no escândalo do mensalão deverão sofrer pesadas perdas na próxima eleição.

- Lula conseguiu desvencilhar sua imagem da crise mas sabe que as alianças com os partidos envolvidos com o mensalão não terão a mesma força em razão do estrago causado pelo escândalo. Por isso a insistência em costurar um acordo com o PMDB - lembra Marcus Figueiredo, diretor de pesquisas do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

A classe média alta dos centros urbanos, mais suscetível ao aspectos éticos relacionados ao mensalão é a área onde Lula perde mais votos, mas tem pouca expressão numérica, ressalta Figueiredo.

- Cerca de 80% do eleitorado vai da classe média para baixo e nessa faixa aspectos econômicos e sociais que influem diretamente na vida do eleitor ganham maior relevância. Com o arrefecimento das denúncias na mídia, surgiram as ''notícias positivas'', como a da melhora dos índices econômicos e sociais e a ampliação de programas como o Bolsa Família.

Figueiredo lembra que o eleitor é pragmático. O interesse imediato fala mais alto. Por isso vota naquele que considera capaz de lhe proporcionar maiores ganhos, em todos os aspectos.