Título: O retorno do candidato a tudo
Autor: Augusto Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 21/02/2006, País, p. A2

O jurista Carlos Velloso, ministro do Supremo Tribunal Federal recentemente aposentado, pode dormir a sesta dos justos: a decisão que livrou Paulo Maluf da cadeia devolveu ao réu não só a saúde, mas também a alegria de viver e a vontade de ser candidato. Há dias, exumado pelo horário eleitoral do PP, reapareceu na TV. Menos de seis meses depois da quarentena na gaiola vivida em companhia do primogênito Flávio, o doutor Paulo deste fevereiro parecia um neto do farrapo humano que saiu da prisão. Há seis meses, o Brasil foi apresentado a um homem com olhar abobalhado, barba por fazer, agarrado às mãos da mulher feito bebê de colo, balbuciando frases desconexas e incapaz de pilotar uma cadeira de rodas. O Maluf de volta à TV é o de sempre: falastrão, risonho, contando lorotas enquanto tenta abrandar a arrogância com truques ensinados por Duda Mendonça.

"Imagine o sofrimento de um pai preso ao lado do filho", condoeu-se Velloso ao justificar a decisão de libertá-lo. "É evidente que ele está com a saúde muito abalada". Quem reviu Maluf agora sabe que o ex-ministro pode cochilar sem sobressaltos. Livre e leve, o setentão balbuciante de agosto recuperou a notável loquacidade. É um bom momento para que a polícia, o Ministério Público, o Judiciário e outros órgãos federais tentam fazê-lo abrir o bico sobre as contas milionárias no exterior.

Uma delas lhe custou a curta escala na cadeia. Há outras, já devassadas por investigações iniciadas faz tempo. O que falta é repatriar o dinheiro desviado por Maluf nos tempos de prefeito ou governador de São Paulo. São quantias formidáveis, acumuladas em maracutaias envolvendo grandes empreiteiras. Pertencem aos contribuintes, como tantas montanhas de cédulas exportadas para outros países por criminosos de diferentes matizes.

Continuam no exílio graças à incompetência dos organismos encarregados de trazê-los de volta, liderados por uma flor da burocracia criada no governo Lula: o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, ou DRCI. Em reportagem publicada pelo JB nesta segunda-feira, o jornalista Hugo Marques exibiu o lastimável desempenho do organismo. Ao longo de 2005, por exemplo, o departamento incumbido de recuperar ativos não recuperou um único centavo. No mesmo período, o órgão recorreu à cooperação jurídica internacional uma única vez - para evitar que os dados sobre uma das contas de Duda Mendonça chegassem à CPI dos Correios. O diretor-geral do DRCI, Antenor Madruga, tateia uma explicação para os números desoladores.

"A recuperação de ativos não é um ato isolado, mas o resultado de uma série de ações", declama. Como assim? Madruga treplica em burocratês castiço: "Os ativos não são recuperados apenas pela DRCI, mas por um trabalho integrado da Estratégia Nacional de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro". A Encla, para os muito íntimos.

Traduzindo: o Ministério da Justiça monitora a DRCI, que controla a Encla, que não consegue repatriar um só centavo. Madruga pede paciência: "Muitas ações foram desenvolvidas em 2005, os resultados aparecerão em 2006". A promessa abrange até a dinheirama com sotaque de Paulo Maluf.

É bom que os resultados apareçam. Ao contrário do que imagina o ministro do Nada, Luiz Gushiken, a paciência dos nativos não é infinita. E a compulsão para esquecer escândalos tropeça na desfaçatez dos impunes. Maluf já se ia tornando apenas uma lembrança ruim quando resolveu aparecer na TV.

É demais. Até para brasileiros.