Título: Partidos sem alma
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 22/02/2006, País, p. A2

Quando as circunstâncias monárquicas impunham o bipartidarismo, dizia-se que, no poder, nada havia de mais parecido a um saquarema do que um luzia, ou seja, conservadores e liberais eram a mesma coisa. Consciente dessa realidade, o conselheiro Honório Hermeto, Marquês do Paraná, pôde formar e presidir o Gabinete de Conciliação, entre 1853 e 1856, extinguindo os focos de inconformismo regional, que tiveram o seu último movimento armado na Revolução Praieira, de 1848. Paraná tinha a consciência do federalismo e seu grande segredo foi o de governar para as províncias e, assim, reduzir a influência centralizadora dos áulicos. Esses três anos, menos três dias, de governo exercido pelos dois partidos, e interrompido pela morte do chefe do Gabinete, iniciaram o grande período de ascensão política do Império, que teve seu auge na vitória militar sobre o Paraguai, em 1870. Em seguida a esse momento de glória, a Monarquia entrou em declínio de quase 20 anos, até que a República sepultasse o regime.

A reivindicação federalista, que constara do Manifesto Republicano, publicado também em 1870, era exigência da razão política que a Família Real não soube entender. Se houvesse cedido, a República teria esperado pela morte do imperador.

As dificuldades do PSDB em definir o nome de seu candidato presidencial mostram que a agremiação, surgida de uma dissidência do PMDB de São Paulo, apoiada por alguns mineiros, nasceu sem alma. Não se organizou com projeto nacional de desenvolvimento, mas, sim, com o propósito de se livrar da liderança dos governadores do PMDB, que consideravam outsiders, e conservar o poder para os interesses hegemônicos de São Paulo. Nesse movimento, que antecedeu o neoliberalismo, o que se pretendia era manter a centralização unitária, exercida por São Paulo mediante a equipe econômica criada em Brasília pelos governos militares. Nunca é demais repetir a curta observação de Tancredo Neves: sem federação não há República, embora possa haver federação sob a monarquia. E se a federação é necessária ao Estado, é também necessária à organização partidária.

É preciso rememorar os fatos. Em São Paulo, alguns intelectuais do PMDB, chefiados por Fernando Henrique, se opunham ao governador Orestes Quércia. Quércia, obstinado construtor do partido no interior do Estado, fora vice de Montoro e vencera Mário Covas na convenção. Não souberam lutar internamente pelas suas idéias, porque não eram as idéias que os moviam, mas interesses. Optaram por fundar nova entidade, em nome de uma falsa esquerda e de moralidade administrativa que - como sabemos agora - nem sempre houve nos governos que alguns deles chefiaram.

Enfim, a agremiação nasceu paulista, com pequeno apoio em Minas, e laivo antifederalista que ainda persiste. A plutocracia paulista, que tem sabido amestrar a política, na defesa de seus interesses permanentes, deu-lhe todo apoio: afinal, representava o enfraquecimento do PMDB e a guinada para a direita. Pouco depois, já na sucessão de Sarney, o PSDB mostrou sua face real, quando alguns de seus eminentes chefes, derrotado Covas, quiseram aderir ao governo Collor, em troca de ministérios. É um partido como os outros, mas subordinado à província de São Paulo. É tão provinciano que Lila Covas quer submetê-lo à orientação familiar, como viúva de um líder do partido, ao exigir que Serra não saia da prefeitura e que Alckmin não desista da disputa.

Na visão política de seus líderes, todos os estados são iguais, mas São Paulo é bem mais igual. O PSDB é um partido provincial, mas alguns de seus dirigentes - felizmente nem todos - estão ligados ao Império do Norte contra os interesses do resto do Brasil.

É esse o círculo de giz. Deixando São Paulo de lado, podem chegar com candidato de outro estado à Presidência, mas o establishment paulista perderá parte de seu poder. Ao insistir em um nome de São Paulo, arriscam-se a perder o pleito. Paulista por paulista - talvez assim pensem os eleitores - é melhor ficar com Lula, com sua origem sertaneja.