Título: Os demônios da rede
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/02/2006, Opinião, p. A10

A megaoperação de combate à pedofilia, planejada e executada em cerca de 30 países, reafirma a notável importância do enfrentamento global a esse tipo de crime. No Brasil, houve ontem apreensões em 11 estados. A ação, no Rio de Janeiro, foi maculada pela lamentável morte de um dos suspeitos investigados - um jovem de 17 anos que, segundo os agentes da Polícia Federal, pulou da janela do seu apartamento, no sexto andar de um prédio no Maracanã, na Zona Norte da cidade. Apesar do incidente, a operação merece elogios, sobretudo por tentar impedir o avanço de delinqüentes virtuais.

Trata-se de uma tarefa monumental a cumprir. Comunidades imersas no terreno da pornografia e, em particular, da pedofilia alastram-se de maneira perturbadora no mundo livre da internet. Contra crimes globais, só mesmo uma ação internacional como a operação realizada ontem. O complicador adicional é a grande dificuldade de investigação e punição de responsáveis por crimes virtuais. Em muitos países, como o Brasil, as leis não se modernizaram na mesma velocidade em que a tecnologia avança.

As lacunas na legislação brasileira servem, por exemplo, para estimular o aliciamento de jovens e profissionais de informática por quadrilhas especializadas em crimes tecnológicos. Eis a face deformada de uma ferramenta poderosa do conhecimento. A internet tornou-se fantástico instrumento de transformação das sociedades, com acesso instantâneo a informações, além de permitir a aproximação de diferentes culturas e etnias.

As evidências criminosas, contudo, são assustadoras. Uma pesquisa recente, realizada nos Estados Unidos, constatou que uma em cada cinco crianças recebeu uma proposta sexual pela internet. Uma em quatro recebeu fotos eróticas. Uma em 33 recebeu telefonemas, dinheiro ou passagem para encontrar um pedófilo. Cerca de 80% de crianças e adolescentes já viram pornografia pesada na rede.

Para sair desse labirinto, não há atalhos. Um primeiro passo é o monitoramento das páginas da internet. Alguns países - como China e Arábia Saudita - censuram por razões nada recomendáveis. Há filtragens bem-sucedidas na Europa. Mas como toda ação do tipo, existem lacunas. Saná-las exige punição implacável aos demônios da rede.