Título: A sombra da guerra civil
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Fonte: Jornal do Brasil, 23/02/2006, Internacional, p. A13

Muçulmanos xiitas e sunitas entraram em confronto ontem no Iraque, depois que a mesquita de Al-Askari, em Samarra, foi atacada por um comando desconhecido. A cúpula dourada do templo, um dos quatro mais importantes do Islã, veio abaixo com a explosão de uma potente bomba no início da manhã. Manifestantes foram para as ruas, em varias cidades iraquianas, e revidaram com ataques a mesquitas sunitas. Analistas temem que a escalada de tensão leve a uma guerra civil. Sinais já foram percebidos ao longo do dia: três clérigos e três fiéis sunitas foram assassinados e um imã da mesma linha islâmica foi seqüestrado em Bagdá.

Este foi o terceiro maior ataque contra alvos xiitas nos últimos dias, mas de longe o de maior impacto. Um peso simbólico que deve reverberar por todo o mundo árabe. Líderes religiosos apelaram à calma, sem sucesso.

- Vinte e nove mesquitas foram queimadas em todo o país - revelou o político sunita Tariq al Hashimi, assustado, pedindo que clérigos e autoridades acalmem a situação ''antes que saia de controle''. Além disso, milicianos do Exército de Mehdi, do clérigo xiita Moqtada al Sadr, entraram em confronto com guardas da sede de um partido sunita em Basra.

- Se o governo não nos protege, nós mesmos vamos fazer isso - afirmou um miliciano.

Nenhum grupo reivindicou a autoria do atentado à mesquita - conhecida como o Santuário Dourado - onde estão enterrados dois imãs, descendentes do profeta Maomé. Mas a suspeita recai sobre a guerrilha sunita liderada pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi. À tarde, vários ''suspeitos'' tinham sido detidos, segundo a polícia. Testemunhas contaram que quatro homens - um vestindo uniforme militar e os outros três as roupas pretas comuns entre xiitas - entraram na mesquita e detonaram duas bombas, às 6h55. Uma delas destruiu o domo. A outra, as paredes laterais.

O principal líder dos xiitas, o grande aiatolá Ali al Sistani, fez uma rara e lacônica aparição na tevê. Via comunicado, exortou seus seguidores a portestar contra a violação do templo, ressaltando que sem uso de violência contra mesquitas sunitas. Mas acabou recuando ao ouvir a multidão em frente de seu escritório, em Najaf:

- Levantem-se xiitas. Vinguem-se! - bradavam.

Em Bagdá, o conselheiro de Segurança Nacional, Mouwafak al Rubaie, acredita que o ataque é uma tentativa de empurrar o país à guerra civil. O cientista político Hazim al Naimi, da Universidade Mustansiriya, na capital, concorda:

- Para os xiitas, este foi um atentado comparável a um ataque contra Meca. Pode levar o país à um violento confronto civil.

Depois da explosão, as forças americanas e iraquianas cercaram a mesquita e iniciaram buscas nas casas vizinhas. Pelo menos cinco policiais responsáveis por guardar o templo foram tomados como reféns pela multidão enfurecida. Na capital, todas as ruas que levam à principal mesquita sunita, Abu Hanifa, foram bloqueadas. A guarda também foi reforçada em Azamiyah, de maioria sunita. Enquanto isso, grandes protestos tomavam as ruas de Cidade Sadr, onde milhares de xiitas marcharam com rifles AK-47 e lança-foguetes nas mãos. Em Baladiyat, um camelô morreu ao ser baleado por um dos 40 milicianos xiitas que atiraram a esmo. Em Najaf, o comércio teve de ser fechado.

Todas as mesquitas da cidade xiita de Diwaniyah entoavam dos alto-falantes dos minaretes ''Alá u akbar'' ou ''Deus é grande'', chamando as pessoas às ruas.

- Estes atos vão fazer a guerra estourar - afirmou Mahmoud al Samarie, um pedreiro de 28 anos que protestava em Samarra. - Exigimos uma investigação e punição dos culpados. Se o governo falhar, vamos pegar as armas e caçar os responsáveis.

- Quem quer que tenha feito isso não é humano. Eles são menos do que animais - reagiu o programador de computadores Wuroud Kathim, de 29 anos.