Título: Diplomacia linha-dura para o Egito
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/02/2006, Internacional, p. A14

Oficialmente, a viagem da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, ao Oriente Médio é isolar o Irã e forçar o Hamas a reconhecer o Estado de Israel. Mas ontem, a enviada de George Bush admitiu publicamente que estava no Egito para pressionar o presidente Hosni Mubarak, há 26 anos no cargo, a democratizar seu regime. Não agradou ao anfitrião. Nem aos opositores. Alguns acham que os Estados Unidos vão repetir a estratégia histórica de incentivar a reação popular ao regime e sair de cena quando há conflitos internos.

Condoleezza e Mubarak tomaram café da manhã juntos. O encontro foi reservado. Assessores apenas confirmaram que o Hamas e o Irã foram o centro da conversa, embora o Iraque também tenha sido debatido.

A assessoria do presidente egípcio aproveitou para repetir o que já havia sido dito na véspera, pelo ministro das Relações Exteriores, Ahmed Aboul Gheit. Segundo o porta-voz do governo, Soleiman Awad, Mubarak disse à secretária americana que é preciso manter o apoio à Autoridade Nacional Palestina e ao Hamas.

Na terça-feira, na frente de Condoleezza e jornalistas, Aboul Gheit falou a mesma coisa e ainda insinuou que os EUA se moviam por ''preconceito''. A secretária devolveu:

- Temos tido decepções e derrotas - disse Condoleezza, deixando claro que não aprova atos como a prisão do líder de oposição Ayman Nour.

Foi interrompida pelo ministro, que não escondeu a irritação ao ouvir o nome do adversário político de Mubarak:

- Foi um processo correto. - disse Aboul Gheit. Referiu-se a recurso impetrado pelo prisioneiro para questionar as acusações, consideradas vagas pelos americanos.

Depois do encontro com o presidente ontem, Condoleezza se reuniu com sete ativistas de oposição. A enviada de Bush ouviu reclamações, tomou notas e repetiu que os EUA continuariam exigindo que o presidente faça as reformas institucionais prometidas na campanha, ano passado.

Do grupo, ouviu que Mubarak manipula o sistema político, tentando convencer a comunidade internacional de que é a única opção aos radicais da Irmandade Muçulmana, clandestina no país. A estratégia é fazer o regime autoritário parecer mais aceitável aos olhos do Ocidente.

- O governo transformou os islâmicos na única oposição para valorizar o que há de moderado no regime atual. - analisou Hala Mustafa, editor da revista chamada Democracia, em árabe.

Também nesse encontro, houve divergências de opinião. Condoleezza se recusou a se encontrar com representantes da Irmandade. Foi criticada e aconselhada a rever a posição.

- Eliminar o grupo é totalmente anti-democrático. A questão é como podemos competir com eles. - argumentou Tarek Haggy, escritor e ex-empresário do setor petrolífero.

Para analistas, o medo de alguns ativistas é de os EUA repetirem a história. Saad Eddin Ibrahim, um dos que se reuniu com Condoleezza, lembra que os americanos já ''traíram'' forças democráticas, abandonando os movimentos de oposição quando houve embate.

O político citou a Hungria, em 1957, e a ex-Tcheco-eslováquia, em 1968, lembrando momentos em que os dois países tentaram derrubar a ditadura comunista e o Pacto de Varsóvia abafou o movimento violentamente.

Depois do Egito, a secretári seguiu para a Arábia Saudita, onde se reuniu com o rei Abdullah Bin Abdulaziz. Na pauta, de novo, Hamas, Irã e Iraque.