Título: Da retórica e da prática
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 24/02/2006, País, p. A2

Embalado pelas pesquisas, o que não é prudente, o presidente Lula escorregou na retórica, ao se referir aos recursos orçamentários do Poder Executivo federal. O dinheiro é de todos os contribuintes, e lhe cabe administrá-lo dentro dos critérios republicanos, que a Constituição disciplina. Quando o presidente usa a primeira pessoa, ainda que no plural, ao se referir ao cargo que ocupa, matricula-se no mesmo discurso de seu antecessor. O presidente é o eventual e temporário guardião dos bens nacionais. Cabe-lhe executar orçamento público, que deveria ser elaborado pelo Congresso, e não decidido a priori pela equipe técnica do Poder Executivo. O dinheiro é recolhido em todo o Brasil, mais em alguns estados, menos em outros. A solidariedade federativa reclama, para que o desenvolvimento social se encaminhe para a igualdade, que se gaste mais aqui e ali, e esses critérios não podem submeter-se à lógica partidária. Descuidos verbais são comuns, mais desculpáveis na espontaneidade de Lula e menos na construção mental dos catedráticos. Bem mais grave é o resultado obtido pelos bancos. A rentabilidade do setor financeiro voltou a superar a dos outros setores da economia, graças aos juros altíssimos que a sociedade está pagando, seja diretamente aos bancos, seja aos especuladores com títulos públicos. Se, por um lado, o governo assiste os mais pobres, com seus programas sociais, pelo outro, a equipe econômica cuida de ajudar os banqueiros, com a mais alta taxa de juros reais do mundo. Grande parte desses lucros é apropriada por investidores estrangeiros e vai financiar o desenvolvimento econômico externo. Desde que o governo anterior abriu o mercado nacional - sem reciprocidade - aos bancos de fora e entregou, a alguns deles, instituições nacionais na bandeja, os dividendos bancários têm sido um dos principais drenos que nos dessangram.

Segundo informações da imprensa - que levaram o senador Pedro Simon a um pedido de informações ao Ministério da Fazenda, ainda não atendido - pretende-se ampliar a participação do capital estrangeiro no Banco do Brasil, a 25%. Hoje é limitada a 7,5%. Se for verdade essa decisão, trata-se de outro passo no caminho da privatização do banco, que vem sendo ensaiada desde o governo Collor. No governo Itamar, com o propósito de preparar psicologicamente a população para aceitar o estupro, pretendeu-se trocar o nome do banco, para Banco Brasil. A supressão da contração, de sentido possessivo-genitivo, nada tinha de inocente, como constatou o então presidente, que proibiu a mudança e determinou a manutenção do nome, escolhido em 1808 por D. João VI. Foi a primeira instituição oficial a usar a palavra Brasil.

Não se explica essa ampliação da participação estrangeira no capital do Banco do Brasil. O banco - o mais antigo banco oficial da América do Sul - obteve, em 2005, o maior lucro de sua história e não necessita de mais capital, nem a União depende da venda dessas ações. Mas os globalizadores não descansarão, enquanto o governo dispuser do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal como seus agentes financeiros. O Banco do Brasil, com todas as suas dificuldades históricas, tem sido o principal sustentáculo do desenvolvimento nacional. Ele, mais do que de seus acionistas, públicos e privados, é uma instituição da sociedade brasileira. Se não houver reação a esse aumento desnecessário de participação estrangeira, que deve começar pelos próprios funcionários do Banco do Brasil e pelos associados da Previ, os privatizadores continuarão na tática do salame: de fatia em fatia, engolirão tudo.

Os economistas brasileiros foram dos primeiros a aderir, com entusiasmo infantil, ao novo liberalismo, e a aceitar o Consenso de Washington. E estão sendo dos últimos a dispensar essa curatela. Outra medida estranha - embora alguns críticos da atual política econômica, como é o caso de Delfim Neto, vejam nisso benefícios - é a isenção tributária para certos investimentos estrangeiros. Privilegia-se, mais uma vez, os não brasileiros, em detrimento dos nacionais.