Título: Voto de servidor entra na conta
Autor: Karla Correia
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2006, País, p. A3

Da polêmica Operação Tapa-Buracos à medida provisória que corrige em 8% a tabela do Imposto de Renda, a série de bondades lançadas nos dois primeiros meses do ano pelo governo representa despesas adicionais de R$ 8,9 bilhões. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer mais. O petista agora mira nos servidores públicos federais, uma legião de quase dois milhões de eleitores em potencial. Há quase dez anos sofrendo perdas reais no salário, em relação à inflação no período, os servidores devem ser contemplados com reajuste equiparado ao aumento de preços nos três primeiros anos da gestão petista, 29%. Para garantir o agrado, Lula já avisou ao relator do Orçamento, o deputado petista Carlito Merss (SC) para destinar R$ 3,6 bilhões das contas da União ao reajuste. Parte desses recursos serviriam para compensar perdas dos estados com a lei Kandir. Com isso, os governadores ficam prejudicados, mas o presidente ganha prestígio com servidores.

No calor da campanha, o presidente tem realizado reuniões quase diárias no Palácio do Planalto para discutir benefícios fiscais a trabalhadores domésticos. O governo também estuda a criação de uma linha de financiamento no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltada para a capitalização de cooperativas de crédito. Para o presidente, a hora é de gastar.

Embora a vontade de agradar do presidente priorize de forma sensível as classes mais pobres - fatia do eleitorado que tem demonstrado maior fidelidade a Lula - a característica mais notável da ação do governo no ano eleitoral é o amplo espectro de beneficiados. O programa de recuperação de estradas lançado já no início do ano injetou R$ 440 milhões no setor de construção pesada, pródigo em financiamentos de campanha. Atendendo ao outro extremo do eleitorado, Lula promete a abertura de 2 mil novos balcões no programa ''Farmácia Popular'', em convênio com grandes redes de drogarias do país.

Já a classe média é o alvo preferencial da injeção de recursos nas cooperativas de crédito pela linha de financiamento do BNDES. A nova linha foi aprovada em janeiro no Conselho Monetário Nacional, mas o governo ainda estuda a data de lançamento da medida. A expectativa do setor é que o governo injete R$ 1 bilhão nas cooperativas, que apresentaram crescimento de 82% no volume de empréstimos entre 2003 e 2005.

Outro benefício já idealizado pelo governo é a redução dos encargos previdenciários. O empregador terá opção de deduzir do Imposto de Renda o pagamento de contribuição previdenciária até o limite de um salário mínimo. Para o empregado, a idéia é diminuir a alíquota do INSS. O objetivo é estimular a formalização desse tipo de trabalho. Para ter maior efeito eleitoral, a medida deve ser lançada no Dia da Mulher, 8 de maio.

Lula vem preparando a série de bondades para o ano eleitoral desde outubro do ano passado. E longe de se incomodar com a pressão da oposição, que taxa as medidas de eleitoreiras, o presidente soma aos pacotes de bondades uma intensa agenda de viagens para inaugurar obras e aparecer em todos os palanques a que tem direito.

A estratégia é ocupar o noticiário com projetos de alto capital eleitoral durante todo o primeiro semestre deste ano, criando espécie de colchão entre a crise política que marcou 2005 e o período mais quente das eleições. No Palácio do Planalto, a avaliação é de que a austeridade na condução da política econômica dos últimos anos garantiu espaço suficiente nas finanças para o governo ampliar os gastos em 2006.

A julgar pela recuperação do petista nas pesquisas, o pacote de bondades deu certo. Em novembro, o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), venceria Lula por 41,5% a 37,6%. Três meses depois, Lula passou Serra tanto no primeiro quanto no segundo turnos. Lula também se valeu da memória curta da população em relação às denúncias de compra de votos. Não bastasse, o principal partido de oposição ao governo, o PSDB, ainda não declarou quem enfrentará Lula nas urnas. Enquanto os tucanos se bicam, o presidente alça vôos cada vez mais altos. Apesar das turbulências.