Título: O Brasil no clube espacial
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2006, Internacional, p. A11

O Brasil está próximo de um marco simbólico dos mais importantes: ingressar no clube restrito dos países que entraram para a história da conquista espacial. Daqui a pouco mais de um mês, no dia 30 de março, quando a nave russa Soyuz decolar da base de Baikonur, no Cazaquistão, levará a bordo o tenente-coronel Marcos César Pontes, o primeiro astronauta brasileiro. Durante a Missão Centenário, como foi denominada, o piloto da Força Aérea de 42 anos vai realizar oito experimentos nacionais na Estação Espacial Internacional (ISS). Como integrante do projeto da estação, o país ganhou o direito de participar tanto com experiências quanto com astronautas.

Mas chegar até esse ponto não foi rápido, tampouco fácil ou barato. Para o embarque de Pontes, o governo brasileiro desembolsou em torno de US$ 10 milhões, que incluem o dinheiro pago à agência espacial russa Roscosmos por uma vaga na nave - o acidente com o ônibus espacial Columbia em 2003, no qual os sete tripulantes morreram, inviabilizou a ida à ISS através da Agência Espacial americana (Nasa). Mas, se a presença do Brasil na lista onde já estão Estados Unidos, Rússia, China, França e Japão é um trunfo político elogiável, há grandes incógnitas sobre o que a viagem do tenente-coronel representará para o futuro das intenções brasileiras quanto à pesquisa espacial.

Quando retornar, por exemplo, Marcos Pontes será aclamado, mas não se sabe se algum dia pode retornar ao espaço, ou se outro brasileiro repetirá seu feito. Além dele, ninguém mais foi selecionado pela Agência Espacial Brasileira para ser preparado pela Nasa e se tornar astronauta. Tudo vai depender do encaminhamento de negociações em andamento com a agência americana em torno da participação na ISS.

Segundo o coordenador da missão, Raimundo Mussi, o termo atual prevê o envio de um ônibus espacial à estação. O acordo entre os dois governos, firmado em 1997, estabeleceu que o Brasil forneceria algumas peças à ISS, ganhando em troca o direito de incluir pessoal no vôo orbital. Como os shuttles foram aposentados, até uma alternativa surgir, a continuidade dessa parte do programa brasileiro fica em suspenso.

Para especialistas, o programa nem deve ser retomado. O presidente da Sociedade Brasileira de Física, Adalberto Fazzio, por exemplo, considera que um investimento como esse deveria ser redirecionado a outros campos hoje mais prioritários, como a nanotecnologia (miniaturização de equipamentos) e o desenvolvimento de lançadores de satélite. Um argumento que reforça a opinião é o fato de que os experimentos que Pontes executará poderiam ser realizados sem o astronauta.

Já para Petrônio Noronha de Souza, engenheiro de tecnologia espacial do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), a ida de Marcos Pontes tem valor instrínseco, mesmo que nenhum outro volte ao espaço, porque serve para divulgar o programa científico brasileiro, além de inspirar os jovens a seguirem carreira em um setor extremamente especializado.

- Um investimento de US$ 10 milhões no contexto de um gasto anual de US$ 100 milhões anuais (orçamento de 2005) pela AEB não é tão alto assim - argumenta.

Fazzio, por sua vez, crê que a Missão Centenário não tem função de dar visibilidade ao programa espacial do país. Acha mais provável que a contribuição fique restrita à divulgação da ciência.

- É importante para os analfabetos científicos perceberem que o desenvolvimento dessa área pode tornar o povo mais rico e mais igual - acrescenta.

Enquanto o futuro está longe como a órbita de Plutão, o dublê de piloto e astronauta tem planos ainda pouco elaborados. Pretende retomar o trabalho de treinamento e coordenação técnica na Nasa e participar de seminários sobre a viagem.