Título: Mau exemplo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2006, Opinião, p. A12

Partido em melhores condições de desviar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da rota da reeleição, o PSDB vem desmerecendo a força e o preparo técnico e político de seus principais cardeais. O pas-de-deux entre o prefeito José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se arrasta de maneira interminável, tem causado estragos à imagem dos tucanos, levado o eleitorado à exaustão e provocado desgaste monumental aos dois pré-candidatos da sigla. As seqüelas definitivas, deixadas pelo confronto entre os dois e seus respectivos aliados, ainda são imprevisíveis. Mas é dispensável sublinhar que o PSDB pagará um preço alto pelo desastroso método de definição da candidatura à Presidência da República. No mínimo, precisará de esforços adicionais para derrotar Lula na campanha deste ano. Os encontros restritos (mas dotados de um constrangedor apelo cênico diante de repórteres e câmeras fotográficas), realizados em um famoso restaurante e no Palácio dos Bandeirantes, ambos em São Paulo, evidenciaram o equívoco tucano. O presidente do partido, Tasso Jereissati, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, reuniram-se com Serra e depois com Alckmin para discutir os prós e contra dos dois contendores. Entre avanços e recuos na admissão à possibilidade de realização de prévias no partido, os cardeais do PSDB estão dispostos a buscar uma escolha consensual. Para tanto, precisam convencer o prefeito ou o governador a desistir em favor do outro. No complexo cruzamento de interesses, alianças e vaidade, pareceu unânime para os analistas políticos - e certamente para o eleitorado - que a definição do presidenciável tucano diz respeito a uma tríade de iluminados.

A escolha do nome é uma tarefa que diz respeito tão-somente ao PSDB. E assim seria com qualquer outro partido. Convém às agremiações arcar com os custos eleitorais do julgamento popular sobre seus métodos de definição. O que importa ressaltar aqui é o desalento, para a democracia, que um dos mais importantes partidos do país se submeta a um processo, no mínimo, constrangedor: um universo de três ou quatro cardeais, reunidos em torno de uma mesa vistosa, decida, enfim, quem irá candidatar-se à Presidência. O gesto só pode ser interpretado como um conchavo com a velha feição da política brasileira, prática da qual o eleitor - cada vez mais experiente e atento à modernização institucional - já demonstrou rejeitar. O método provocou fraturas que podem tornar inconciliável a união entre os grupos dos dois pré-candidatos.

De partidos políticos modernos e preparados como o PSDB se desejaria um processo balizado por mecanismos objetivos e impessoais: pesquisas de opinião, realização de prévias ou convenção partidária para valer integram a galeria de métodos democraticamente aceitáveis. Não é o caso. Ruim para a democracia, péssimo para os próprios tucanos. O emperramento decisório do partido tem contribuído para a recuperação do presidente Lula segundo as últimas pesquisas de intenção de voto. Nas quatro últimas campanhas presidenciais, sublinhe-se, o PT não agiu de modo muito diferente dos tucanos, embora com características bem diversas do PSDB. De 1989 a 2002, o maior líder petista exibiu sua força e turvou todas as tentativas de outros pré-candidatos do partido, como os senadores Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque (hoje no PDT). Péssimo recado para a democracia brasileira.