Título: Irã flerta com América Latina
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2006, Internacional, p. A14

Isolado politicamente das grandes potências por sua política nuclear, o Irã está buscando apoio em economias emergentes não só no mundo árabe, como no Ocidente. Foi na América Latina que uma delegação iraniana aterrissou essa semana para fortalecer laços bilaterais e conquistar votos de confiança, negados pelos Estados Unidos e a maior parte da Europa. O movimento político do presidente do país islâmico, Mahmoud Ahmadinejad, preocupa seu maior inimigo, o americano George Bush.

Liderada pelo chefe do Parlamento de Teerã, Gholam-Ali Haddad Adel, a missão fez escala em países com governos esquerdistas, como Venezuela, o maior aliado do Irã no continente, Uruguai, Cuba e até o Brasil. Os representantes iranianos estiveram em Brasília, onde se reuniram com comissões de deputados e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo.

Para o analista político Michael Shifter, do InterAmerican Dialogue, uma organização de Washington, ''se há um tema que merecerá atenção da política americana daqui para frente será a aproximação iraniana com países latinos'':

- Essa é uma questão de política global altamente sensível, de grande preocupação - avaliou ao JB. - É difícil saber, por enquanto, a natureza dessa relação ou o que virá a ser. Mas é certo que o governo Bush vai observar muito de perto esses contatos.

Nas palavras do iraniano Adel, a viagem aos trópicos é justificada por sentimentos em comum em relação aos EUA:

- Muitos países da América Latina sofrem com as políticas imperialistas e são aliados potenciais contra o mal da Casa Branca - afirmou.

Para Stephen Johson, da conservadora Heritage Foundation, trata-se de ''uma estratégia para desafiar as democracias industrializadas e, possivelmente, enfraquecê-las'':

- O Irã quer buscar apoio entre os países em desenvolvimento para garantir seu status de potência nuclear.

Em janeiro, o próprio Ahmadinejad conversou com líderes latinos, como o colega cubano Fidel Castro e o socialista recém-eleito na Bolívia, Evo Morales. O cocaleiro, inclusive, esteve em Teerã antes mesmo de tomar posse, a fim de estabelecer relações econômicas. Em comum, ambos têm o petróleo como principal arma econômica.

Na opinião do historiador brasileiro Francisco Carlos Teixeira, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da UFRJ, a América Latina deixou de ser ''quintal dos EUA'' para ganhar visibilidade na política internacional nos últimos anos:

- Chegaram os concorrentes dos americanos. São economias emergentes como a China, a Índia e, agora, o Irã - observou, por telefone. - Se antes a América do Sul tinha políticas pautadas por interesses de Washington, hoje busca sair dessa dependência.

Shifter, por sua vez, acredita que existe um ''risco real de os EUA verem essas relações incipientes como um sinal de de que a região se tornou uma ameaça fortemente hostil''.

- Assim, Ahmadinejad, Castro e Chávez representam um novo 'eixo do mal' para Bush - emenda Johnson. - O Brasil, no entanto, é um país em paz, que sempre buscou boas relações, além de ajudar a manter a paz em outros países. Não faria parte do 'eixo'.

Teixeira lembra que o Brasil, como o Irã, não assinou o protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação. O documento estabelecia medidas mais rígidas de verificação das instalações nucleares.

- O governo não considera a medida justa porque teme a espionagem industrial, já que desenvolve seu próprio ciclo de combustível - destaca. - No entanto, ninguém assinou tantos papéis em renúncia às armas nucleares como nós.

O voto a favor da denúncia do Irã ao Conselho de Segurança da ONU, não impediu, no entanto, que o país islãmico visse com bons olhos as relações com Brasília.

- Quanto mais os EUA e a Europa reforçam o bloqueio econômico ao Irã, maiores oportunidades comerciais o Brasil tem - acredita o historiador.

Prova disso são as conversas que representantes de ambos os países tiveram sobre temas ligados a energia, comércio e agricultura.

Para Johson, a reação dos EUA às novas alianças, no entanto, pode ser ''pesada'', o que, na sua opinião, seria ''improdutivo'' à própria superpotência:

- Mas essa pode ser a melhor maneira de garantir que a relação América Latina-Irã exista por si só, independente.

Para Charles Ferguson, do centro americano Council on Foreign Relations, Washington vai encontrar obstáculos em prevenir esse ''namoro'':

- O governo Bush vai tentar, de todas as maneiras, reforçar seus laços com os países latinos, mas não sei se vai conseguir.