Título: O Supremo e sua composição
Autor: Thiago Ribas Filho
Fonte: Jornal do Brasil, 01/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

Desde menino, ouvia dizer que "há males que vêm para bem", máxima de experiência que me veio à cabeça ao pensar que, após a desastrada Reforma do Judiciário (que os governos jamais quiseram nem querem permaneça como um Poder da República), surgisse um projeto de emenda constitucional, de iniciativa do valoroso senador Jefferson Peres (PDT-AM), relativo à forma de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Certamente, age o autor da proposta alertado por determinadas decisões que estão merecendo críticas na imprensa e também de parlamentares componentes de comissões de inquérito em funcionamento no Congresso Nacional.

Aos magistrados sempre soou estranha e inaceitável a forma de preenchimento das vagas na Côrte maior de Justiça do país, de natureza exclusivamente política, com a indicação de pessoas consideradas, pelo presidente da República, de reputação ilibada e alto saber jurídico, e sempre confirmadas (jamais houve uma recusa a esses nomes) em sabatinas realizadas no Senado. Como se explicar que, neste processo de escolha, não haja qualquer participação do Judiciário na seleção dos que ocupam a maior função no seu segmento específico?

Quando acontece, como nos governos Fernando Henrique e Lula, a ocorrência de muitas vagas num Tribunal composto por onze membros, inegavelmente isto não é bom, sendo possível e até provável a ocorrência de sensíveis alterações na jurisprudência consolidada e, portanto, nos seus desdobramentos para a própria segurança jurídica. Até aqui, elas foram em número de sete, quatro na administração Lula, sendo que a próxima será a do brilhante e dedicado ministro Carlos Velloso, cuja perda será muito sentida como o foram, entre outras, as dos ministros Moreira Alves, Luiz Octavio Gallotti e Neri da Silveira.

Ao que tudo indica, o atual presidente da República terá mais uma, a sua sexta - formando maioria absoluta -, com a do ministro Nelson Jobim, que embora de sabidas inteligência e cultura, tem decepcionado a magistratura e grande parte da opinião nacional (basta ler-se com atenção as seções de cartas dos leitores dos maiores jornais e revistas do país) pela dubiedade da postura na presidência do Supremo Tribunal Federal, sendo seguidamente questionado pela mídia e pelos juízes sobre um possível abandono da condição de juiz em favor de um elevado cargo no Executivo, que postularia nas próximas eleições.

O mínimo que se exigiria do ministro, diante dos sérios rumores existentes, seria o de dar uma definição clara dos seus reais propósitos, mas o que vinha fazendo, é dizer que não traçava planos para a sua vida a não ser para os próximos seis meses.

Mais recentemente, forçado por segmentos da mídia, já admitiu, para março, seu afastamento da Corte, retornando à política partidária que sempre foi o seu campo de atuação alegando ser movido pelo seu desejo de servir ao país.

Nelson Jobim, que, há tempos, revelou um fato inédito e surpreendente, acerca do acréscimo, na Constituição de 1988, de dispositivos que não teriam sido votados, nunca explicou as razões desse estranho comportamento quando era relator-adjunto do projeto da Carta Política. Desde a época de sua elaboração, lutou pela criação de um Conselho Nacional de Justiça, afirmando que não se conformaria com a derrota então sofrida pela proposta, posteriormente auxiliando o governo a emplacá-lo na Reforma do Judiciário, inclusive aconselhando sua estratégica inclusão na estrutura do Judiciário para afastar a objeção de tratar-se de um órgão supra-poderes, quebrando a espinha dorsal do sistema federativo. Veja-se que, tendo somente atribuições administrativas, o CNJ já ousou conceder liminares, determinou a um Tribunal de Justiça que um processo fosse decidido em 90 dias, baixou resolução dando prazo para que os tribunais as cumpram. Há quem diga, hoje, que o CNJ ''é o governo do Judiciário''.

Verdadeiramente, mostrou-se um estranho no ninho e uma prova de que os critérios de escolha dos ministros do Supremo Tribunal têm de ser repensados, passando o Judiciário a participar do processo, claro que sem o afastamento dos demais poderes e não se podendo desconsiderar a manifestação de organismos de elevado conceito no âmbito da sociedade civil, destinatária final da indicação. Um dos pontos que merece reflexão seria o da exigência de que metade dos componentes da Corte fosse selecionada entre magistrados dos tribunais, considerada a sua experiência, capacidade e independência, já efetivamente demonstradas no exercício da jurisdição.

Afinal, ninguém pensaria na formação de um alto Colégio de Cirurgiões que nunca tivessem operado, como também na criação de um Conselho de Arquitetura e Engenharia formado por pessoas que jamais tivessem elaborado uma planta ou realizado uma obra. Se é assim, como aceitar a manutenção de uma Suprema Corte que, por força dos requisitos estabelecidos na própria Constituição, possa não ter nenhum juiz na sua composição?

Os cultores do Direito e as pessoas esclarecidas, de outras áreas, que conhecem a matéria, sabem que o sistema vigente não é bom, necessita ser corrigido, especialmente nesse tempo tão conturbado pela desmoralização pública, fruto de uma seqüência quase inimaginável de escândalos dos poderes Executivo e Legislativo, cujo monopólio na escolha adquire contorno de aberrante agressão à cidadania e ao sentimento republicano.