Título: A terra de ninguém
Autor: Juliana Rocha
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, País, p. A3

Na divisa entre os municípios de Queimados e Nova Iguaçu, famílias vivem em condições de extrema miséria, sem esgoto ou água encanada, e sem a mão amiga do governo. A maior parte da população está abaixo da linha de pobreza, com menos de R$ 100 per capita por mês, mas nem assim consegue obter o benefício criado pelo presidente Lula. É o caso de Sandra Costa e Andréa Queiroz. Cada uma de um lado da divisa, delimitada por um rio que recebe esgoto de um valão a céu aberto. Desempregadas, tentaram, sem sucesso, se inscrever no programa.

- A professora da escola da minha filha disse que eu tinha direito (ao beneficio). Já fiz o cadastramento duas vezes no Brizolão aqui perto e nunca recebi nada - diz Andréa, desempregada, mãe solteira de Vitória, de quatro anos. A menina freqüenta a escola desde o início do ano passado, mas ela não tem dinheiro para comprar o material escolar.

Andréa mora com os pais e duas irmãs em uma casa de três cômodos no bairro Vila Americana. A família sobrevive com R$ 300 que uma das irmãs recebe do INSS por ser deficiente auditiva e o dinheiro incerto que entra na marcenaria do pai, montando nos fundos do terreno. Filha do presidente da associação de moradores local, ela denuncia que, nas ruas adjacentes, nenhuma família que preencheu o cadastramento no Bolsa Família recebeu o cartão-cidadão, nem qualquer explicação do governo.

A vizinha Flaviana Ferreira Cassiano, de 24 anos, confirma. Vive em uma das ruas mais pobres do município e também é obrigada a atravessar o valão de esgoto todos os dias para sair de casa, com os dois filhos. O marido ganha R$ 320 por mês para sustentar quatro pessoas.

Andréa conta que nunca recebeu a visita de nenhuma assistente social da prefeitura, responsável pelo cadastramento. Diz que o bairro não tem assistência do poder público por ser limite com outro município. Credita o abandono generalizado ao fato de ser uma área com poucos votos.

- Esse é o lugar mais pobre de Queimados e ninguém recebe bolsa. Tem bairros em que as pessoas estão em situação financeira melhor e recebem. Acho que o prefeito escolhe quem cadastrar.

Na rua ao lado de onde mora Andréa, já em Nova Iguaçu, Eli Ferreira dos Santos está cadastrada no programa desde 2004. Desempregada e mãe de cinco filhos, corre o risco de perder o benefício porque a prefeitura de Nova Iguaçu enviou ao Ministério do Desenvolvimento uma relação que contém menos de 20% das famílias submetidas ao recadastramento obrigatório.

A sub-secretária de Assistência Social de Queimados, Cristina Quaresma, justificou que a prefeitura deixou de cadastrar famílias porque faz um pré-cadastramento e envia uma equipe de assistentes sociais para fiscalizar a situação financeira de cada uma.

- Já temos dois mil cadastrados aguardando a averiguação. Estamos visitando bairro por bairro - justifica.

A sub-secretária afirma que até 31 de março todos os bairros serão visitados por apenas 23 pessoas que formam a Comissão do Bolsa-Família no município.