Título: Ouro na mão dos prefeitos
Autor: Juliana Rocha
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, País, p. A3

Patrícia das Graças Silva, 27 anos, moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, é mãe solteira de quatro filhos e está desempregada. Com os R$ 95 que recebe do Bolsa Família, coloca comida na mesa e paga as poucas contas de uma casa que tem apenas dois cômodos, sem água encanada nem esgoto. Ela fez o cadastramento do benefício em uma escola municipal e, por isso, acredita que a benesse vem da prefeitura. Não gosta de Lula: em vez de asfaltar sua rua, queixa-se, ''gasta dinheiro comprando avião''. Já o prefeito Lindberg Farias, verdadeiro responsável pela estrada de terra por onde passa todos os dias, merece um voto de confiança. Se depender de Patrícia e de grande parte dos 8,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família, o benefício corre o risco de não se transformar no carro-chefe capaz de garantir a reeleição: o dinheiro extra é identificado como uma ajuda local. Para se manter no Planalto, o presidente terá de conquistar o apoio dos prefeitos.

Afinal, são os municípios que fazem o cadastramento e enviam os dados para o Ministério do Desenvolvimento. Está nas mãos dos prefeitos, portanto, aumentar o número de beneficiados e propagar que o dinheiro extra é concedido pelo governo federal. Os da oposição não se mostram nada dispostos a executar a tarefa. Pior: muitos alardeiam que são os responsáveis pelo programa, como o próprio Lula já se queixou em praça pública.

A meta do presidente, em ano eleitoral, é ambiciosa: atender as 11 milhões de famílias abaixo da linha de pobreza no país. No Estado do Rio, contudo, os números não são animadores: apenas 54,27% das famílias pobres recebem a bolsa. Na capital, administrada pelo prefeito Cesar Maia, um dos caciques e presidenciáveis do PFL, a cobertura é de 39,24% das 165 mil famílias pobres.

A Secretaria de Ação Social informa apenas que o município não enfrenta problemas de cadastramento e confirma que o Rio é uma das seis cidades-piloto do programa no Brasil. A secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha - responsável pelo Bolsa Família -, lamenta a baixa cobertura do programa no Estado do Rio, que tem 302 mil famílias abaixo da linha de pobreza. Rosani admite, porém, que o governo federal está nas mãos dos prefeitos, responsáveis pelo cadastramento.

Na Baixada Fluminense, que forma um cordão de pobreza em torno da capital, a maior parte dos municípios também tem baixa cobertura dos programas. A região abriga quatro milhões de habitantes e a maioria dos prefeitos é de oposição ao governo federal. - Dependemos dos municípios. Já reunimos os prefeitos da Baixada para saber porque uma região tão carente tem baixa cobertura. Não obtivemos resposta - reclama a secretária.

Em Queimados, do prefeito Rogério do Salão (PL), aliado de Anthony Garotinho (PMDB), das 6,3 mil famílias abaixo da linha de pobreza, 4,8 mil são beneficiadas. Ou seja, 15% das pessoas que preenchem os requisitos para receber a bolsa não foram atendidas. Rosani lamenta que, no último mês, apenas sete novas famílias do município aderiram ao programa. A prefeitura diz que faz um pré-cadastramento e envia assistentes sociais para conferir a situação financeira das famílias, o que justificaria a demora. Seja qual for a explicação, o prazo, que terminaria em 28 de fevereiro, teve de ser estendido para 31 de março.

Em Belford Roxo, este índice sobe para 44%. A prefeita Maria Lúcia Netto dos Santos (PMDB) justifica que, quando assumiu o cargo, apenas sete mil famílias eram beneficiadas e agora são 26 mil. Também aliada de Garotinho, ela garante que tenta ampliar o número de beneficiados, mas não se propõe a ajudar Lula na empreitada da reeleição. - Lula só mudou o nome dos programas que vieram do governo anterior. Não criou nada.

No governo Fernando Henrique Cardoso, eram concedidos os benefícios Bolsa-Escola a 5,1 milhões de famílias, Auxílio-Gás a 8,8 milhões de beneficiários e Bolsa-Alimentação a 967 mil pessoas. A secretária nacional de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, explica que a maior parte dos beneficiários migrou para o cadastro único do Bolsa Família.