Título: 'Não devemos discriminar partidos'
Autor: Daniel Pereira e Tina Vieira
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, País, p. A6

Apesar de dizer que as pesquisas de intenção de voto são fotografias de momento e tentar ignorar as denúncias que pesam contra o partido que preside ¿ o PT ¿ o deputado Ricardo Berzoini dá mostras de que a legenda se sente revigorada com a recuperação de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele defende os correligionários João Paulo Cunha e Professor Luizinho, ameaçados de cassação em razão do escândalo do mensalão. Berzoini, por sinal, nega o esquema, cuja existência é defendida pela CPI dos Correios: ¿ É óbvio que houve um trânsito anormal de recursos, que deveriam ter sido contabilizados. O que ficou comprovado, até agora, foram caixa dois, um sistema totalmente inadequado de financiamento do PT e de partidos aliados e uma grande falta de transparência por parte de dirigentes partidários.

Segundo o deputado, seu partido não fugirá do debate da ética na campanha eleitoral, mas centrará esforços na comparação entre os resultados das gestões atual e anterior. Para vencer a disputa, o partido também aposta em outro trunfo: a manutenção das alianças atuais com partidos de todo o espectro político, inclusive o PP, o PL e o PTB do deputado cassado Roberto Jefferson ¿ o pivô da crise do mensalão.

¿ O presidente da CPI dos Correios, que é do PT, promete comprovar no relatório final a existência do mensalão. Como o partido vai se explicar?

¿ É uma denúncia totalmente não comprovada. A denúncia original ¿ e o JB foi o primeiro jornal que a trouxe em 2004 ¿ apontava um esquema de pagamento de mesadas. As CPIs ainda não conseguiram provar um só caso de parlamentar que recebia para votar, chegando inclusive a casos absurdos. Como colocar na expressão `mensaleiro¿ pessoas como o deputado João Paulo Cunha. Era presidente da Câmara e sequer votava, porque o regimento não prevê o voto do presidente. Colocaram também o então líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho. Pessoas que não tinham razão para receber recurso para votar.

¿ Esses parlamentares não cometeram irregularidades?

¿ É óbvio que houve um trânsito anormal de recursos, que deveriam ter sido contabilizados. O que ficou comprovado, até agora, foi caixa dois. Um sistema totalmente inadequado de financiamento do PT e de partidos aliados e uma grande falta de transparência por parte de dirigentes partidários.

¿ Além das denúncias de corrupção, quais são os telhados de vidro da gestão Lula?

¿ Todos os governos erram, em maior ou menor medida. Tanto o governo como os partidos da base aliada erraram, por exemplo, no início da crise por não ter reagido à postura adotada pela oposição. Na primeira reforma ministerial, a demora para definir as mudanças provocou uma certa instabilidade política no governo. Mas se a gente comparar os potenciais erros com a quantidade de acertos do governo, creio que, sem arrogância ou euforia, podemos fazer um balanço muito positivo do governo Lula.

¿ A oposição promete relembrar na campanha as irregularidades, para refrescar a memória do eleitor. Qual será a resposta do PT?

¿ A memória do eleitor não precisará ser refrescada. O eleitor não esqueceu o que foi apresentado. Simplesmente processou as informações. Percebeu que parte eram denúncias verídicas. Mas a menor parte. E que a maior parte foi uma disputa política agressiva e ostensiva da oposição, que tentou num certo momento forçar a barra e, inclusive, provocar o impeachment do presidente Lula. Na campanha, o PT enfrentará essa tema, mostrando que nosso governo, em matéria de combate à corrupção, foi muito mais eficiente do que os governos anteriores.

¿ Poderia citar exemplos?

¿ O presidente Lula indicou dois procuradores com perfil bem distinto do procurador que esteve à frente do Ministério Público na maior parte do governo de Fernando Henrique Cardoso. Nenhum dos dois merece o apelido de engavetador-geral da República. E a Polícia Federal nunca atuou de maneira tão forte. Temos tranquilidade para enfrentar esse tema. Mas não deixaremos a campanha ficar só nisso. Queremos discutir, por exemplo, quem gerou empregos no Brasil e quem gerou desemprego. A estratégia de recuperação do salário mínimo é positiva, melhora a situação social das famílias. Este é o trabalho fundamental e que o povo quer saber.

¿ O que o PT quer ver implementado em eventual segundo mandato do presidente Lula?

¿ Primeiro, que utilizemos essa base de melhoria econômica para fazer uma política de crédito e juros que estimule fortemente o crescimento econômico. Em segundo lugar, que possamos construir portas de saída para o Bolsa-Família. As pessoas querem se emancipar e poder viver de seu trabalho.

¿ Que alianças o PT defende nas eleições deste ano?

¿ O PT acha fundamental não cair na armadilha que setores da oposição e articulistas da mídia tentam colocar que é renegar alianças feitas no governo Lula. Evidentemente, há questionamentos no partido em relação às alianças com partidos de centro ou centro-direita. Mas trabalhamos com a idéia de que o Brasil, dado o atual quadro partidário, precisa sempre ter um governo de coalizão e que não devemos trabalhar a priori com a discriminação de partidos, tentando estabelecer vetos a alianças.

¿ Hoje, o deputado cassado José Dirceu atrapalha ou ajuda numa campanha?

¿ O deputado José Dirceu sempre foi uma pessoa importantíssima no PT, sempre teve um papel fundamental na construção da estratégia que presidiu o partido de 95 a 2002. Ele ajudará se colaborar como militante do PT. A direção do partido receberá sempre as opiniões e colaborações de Dirceu com muito respeito, mas o partido tem uma direção e exercerá essa direção com tranquilidade.

¿ Na oposição, o PT criticou o ritmo de crescimento da economia, que foi, em média, de 2,3% nos oito anos de mandato de Fernando Henrique. Nos três anos de governo Lula, a média é de 2,6%. Que explicação será dada ao eleitor?

¿ O nosso primeiro ano foi para consertar a lambança tucana. Fizemos um processo de reorganização da economia que restaurou a credibilidade. No ano passado, o crescimento foi menor porque houve um repique da inflação, que levou a uma política monetária mais dura. Se sairmos do PIB, que é um número técnico, e formos para o que chamo de PEBS (Pronaf, emprego, Bolsa-Família e salário), veremos a mudança radical que houve durante nosso governo. Não fugiremos do debate do PIB. Mas também colocaremos o PEBS na discussão com a opinião pública brasileira.

¿ Não são necessários ajustes na política econômica, como redução mais acentuada da taxa de juros?

¿ Esse é o desejo de toda a sociedade brasileira, inclusive do presidente Lula. Temos uma situação muito mais favorável em termos de indicadores para ter uma queda não apenas episódica mas consistente da taxa de juros, para chegar no início do próximo ano com uma taxa real na faixa de 6,5% a 7%.

¿ A última pesquisa Ibope mostra o presidente empatado em São Paulo com os pré-candidatos tucanos. O resultado dá fôlego extra à campanha de Lula? ¿ Dá sim. São Paulo é uma preocupação nossa. Até porque é onde está concentrado um esforço maior do PSDB. O fato de aparecer uma situação de empate indica tendência forte de recuperação do presidente Lula. Agora, pesquisa a gente analisa, mas não deixa de tocar nosso ritmo de trabalho por causa dela. A pesquisa não aponta necessariamente uma situação consolidada.

¿ O crescimento do presidente é uma tendência irreversível ou reflexo de boas notícias do começo do ano?

¿ Ficou mais claro para a população o que havia de denúncias consistentes e o que havia de disputa política. Hoje, as CPIs têm tamanho menor no imaginário da sociedade do que tiveram no passado. Não que não sejam importantes. Mas é uma importância que é confrontada, por exemplo, com o desempenho da economia, o custo da cesta básica e os programas de infra-estrutura. A população está começando a olhar para a política com os olhos mais gerais e menos focados nas CPIs.

¿ O presidente Lula perderá espaço quando o PSDB apresentar o candidato tucano à Presidência?

¿ É positivo que o presidente Lula esteja apresentando dados de aprovação crescentes. Mas teremos de trabalhar duro e com pé no chão para construir uma estratégia eleitoral para viabilizar a vitória. Não sou daqueles que usam o salto alto. Prefiro usar a sandália da humildade.

¿ A definição do candidato do PSDB pode servir como freio para a escalada do presidente Lula?

¿ Não sei. Depende de qual estratégia eles usarão. Não será uma situação de escolher o candidato ideal. Mas aquele que representa melhor o seu anseio para o país. Haverá muita polarização entre os governos Lula e Fernando Henrique. O eleitor vai olhar quem gera emprego e quem não gera. E assim por diante.

¿ Qual é o melhor adversário para o presidente Lula: Geraldo Alckmin ou José Serra?

¿ Ambos têm vantagens e desvantagens para eles e para nós. O Serra terá de enfrentar a contradição de ter prometido nas últimas eleições de maneira taxativa ficar na prefeitura quatro anos. Se for candidato, romperá esse compromisso. Terá de enfrentar a lembrança de sua passagem como ministro da Saúde. O Brasil, à época, enfrentou uma epidemia de dengue que beirou o descontrole. O Alckmin tem a desvantagem potencial de ser pouco conhecido fora do sul do país. E também tem, por exemplo, o fato de que o governo dele deixou muito a desejar em estratégias econômicas. São Paulo perdeu espaço grande na economia nacional nos últimos doze anos. Ele também tem seu telhado de vidro.

¿ O PT no Rio de Janeiro terá mesmo candidato a governador? O presidente Lula terá dois palanques no estado?

¿ A informação que temos é que a candidatura do Vladimir Palmeira tem forte apoio dentro do partido e um papel inclusive de unificar diversas correntes partidárias em torno de uma estratégia para as eleições. Se houver outra candidatura em apoio a Lula, como a do senador Marcelo Crivella (bispo da Igreja Universal do Reino de Deus), temos de nos relacionar com ela de uma maneira democrática, buscando disputar o voto no processo eleitoral regional sem permitir que eventuais diferenças transbordem para a relação política nacional. Portanto, se o presidente Lula assumir a candidatura, ele dialogará com os palanques que existam em cada estado. É óbvio que como candidato à reeleição, numa situação de ter dois palanques, como é o caso possivelmente de Pernambuco e de outros estados, o Lula terá o seu palanque, para o qual todos os candidatos estaduais que o apóiam serão convidados.

¿ No Rio, o PT pode abrir mão da disputa pela vaga ao Senado para facilitar alianças?

¿ Se houver proposta como essa, vamos levar ao diretório regional para ver a consequência disso. O partido discutirá todas as propostas que possíveis aliados fizerem.