Título: Grande retrato destes tristes tempos
Autor: Augusto Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, País, p. A8
O deputado Osmar Serraglio alegrouse com a chegada do carnaval. Não pela chance de saborear a notoriedade recente em camarotes da Sapucaí, como fez o senador Delcídio Amaral, presidente da CPI dos Correios. Nem para folgar no exterior ou na praia, como tantos parlamentares. Serraglio ficou feliz porque teria quatro dias inteiros para concentrar- se nos parágrafos derradeiros do relatório com as conclusões da CPI. São milhares de páginas, a bordo das quais o deputado paranaense viaja rumo a um capítulo obrigatório nos relatos da saga do Brasil republicano.
Todo homem tem seu preço, ensina o Manual do Cinismo. Tal falácia induziu os estrategistas do Planalto a escolher o aparentemente dócil parlamentar do PMDB paranaense para o posto de relator da CPI. Logo se faria o acerto que nunca houve.
O Relatório Serraglio é a prova mais contundente de que muitos deputados não estão à venda. Trata-se de um documento produzido com coragem e competência por um homem de bem.
Embora pouco se saiba do conteúdo, é possível anunciar que vem aí um minucioso e devastador retrato destes tristes tempos. Serraglio provará que o mensalão existiu ¿ e que a bandalheira
foi muito além do caixa dois. Mostrará que o governo, o PT e vigaristas aliados praticaram crimes bem mais graves. Dirá que Lula foi, no mínimo, excessivamente brando com bandidos amigos.
Pilantras oposicionistas não escaparão às denúncias do relatório. Mas ficará evidente que a Era Lula transformou em rotina o que era ocasional. Furtos episódicos, praticados desde os tempos do Descobrimento, tornaram- se epidêmicos. Com a cumplicidade ativa ou o consentimento de comparsas alojados no coração do poder, o PT tentou tomar de assalto a máquina do Estado. Depois de divulgado o relatório, mesmo os mais atrevidos lulistas renunciarão à conversa fiada e a bravatas repulsivas.
Agarrado à fantasia de que os companheiros só praticaram pecados veniais, Ricardo Berzoini, presidente do PT, tem processado quem aponta o viveiro de gatunos alojado no partido. Serraglio confirma que existiu muito pecado do lado de baixo do Equador.
Se o Brasil não reagir ao contundente documento com a ira justa dos atraiçoados, terá deixado de existir como nação.