Título: O Brasil teme o crescimento?
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. A17

A esfinge que um dia devorou economistas em busca de respostas para o controle da inflação volta hoje a provocar com novo enigma. Como o tempo, os políticos e o próprio país, a questão também mudou e, em vez da alta geral de preços, o tema que hoje leva especialistas à reflexão é o baixo crescimento, que acomete a economia brasileira há pelo menos 20 anos. No ano passado, o Brasil cresceu apenas 2,3% e a média de expansão verificada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva está distante do prometido ¿espetáculo do crescimento¿ ¿ 2,6%. Porém, não está muito diferente das taxas de crescimento verificadas nos anos 80 e 90. A média de expansão do arqui-rival, Fernando Henrique Cardoso, ficou nos 2,3% e, há pelo menos 20 anos, o Brasil não assiste a dois anos seguidos de expansão robusta, mais próximo do que se vê nos demais países em desenvolvimento.

A performance brasileira é ainda mais dramática quando colocada lado a lado com a de seu irmão quase gêmeo. A vizinha Argentina ¿ que passou pelos mesmos programas de estabilização e turbulências nos anos 80 e 90 ¿ cresceu 9,1% em 2005. Em tempo: o vizinho passou, há menos de cinco anos, por uma crise econômica que levou à queda do Produto Interno Bruto (PIB) por três anos consecutivos. Outros exemplos não faltam, como Chile, 6%, e a Índia, 7,1%, sem falar na China, 9,9%. Por quê, afinal, o país não cresce ou tem medo de crescer?

Segundo o ex-diretor de política econômica do Banco Central, atualmente diretor do Banco Itaú, Sérgio Werlang, é fato comprovado por modelos econômicos, feitos e refeitos por especialistas, que o Brasil não cresce hoje mais de 4% ao ano.

¿ É uma taxa de crescimento de acordo com a capacidade de o país se expandir sem gerar inflação, que depende da estrutura jurídica e também física (portos e estradas), regras de comércio, quantidade de capital e nível educacional da população. Esse número é o chamado crescimento potencial do país ¿ explica Werlang.

A conta desse teto baixo, sustentam muitos economistas, não pode ser debitada na conta da política econômica. Mas, sim, na da Receita. O economista Samuel Pessôa, professor da Escola de Pós-Graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), enfatiza que as baixas taxas de crescimento nos últimos anos vieram acompanhadas ¿ porém em sentido oposto ¿ de arrecadação gradativamente maior de impostos.

¿ Se nos anos 80 o baixo crescimento esteve muito associado à inflação, nos últimos 10 anos, o maior gargalo é a carga tributária ¿ argumenta ele.

Mais do que o peso dos impostos na atividade ¿ que este ano deverá chegar a 38% do PIB ¿, a fome do Leão é crescente, assim como os gastos do governo, que juntos funcionam como freio de mão para a economia.

¿ Antes da estabilização, tínhamos uma inflação maluca, hoje temos um regime maluco ¿ critica Pessôa. ¿ O trabalho foi feito pela metade. Controlaram a inflação, mas não foram à raiz do problema: a indexação dos gastos do governo.

Desde 1987, os gastos públicos obrigatórios ¿ pessoal, previdência, saúde, educação e assistência social ¿ dobraram e atingiram, no ano passado, 16% do PIB. Entre 1992 ¿ quando começa efetivamente a sanha arrecadatória ¿ e 2005, a carga tributária cresceu 52%. A economia como um todo, por sua vez, expandiu-se 34%.

¿ Isso nunca foi visto em nenhuma economia com renda compatível à nossa. É uma jabuticaba, só tem no Brasil ¿ diz Pessôa. ¿ Se desatar o nó dos gastos públicos crescentes, o Brasil pode experimentar expansão econômica mais elevada rapidamente, em até dois ou três anos.

Sérgio Werlang vai além. O economista lembra a importância de investimentos em educação e ciência e tecnologia para deslanchar uma expansão mais elevada.

¿ Os parcos recursos que existem estão dispersos pelos estados e focados na educação superior, não no ensino básico. Além disso, não há centros de referência, como existem em outros países, como os Estados Unidos ¿ avalia.

Soma-se a isso um conjunto de problemas que juntos seguram a expansão da economia na casa dos 2%: a incerteza jurídica ¿ ¿as decisões são imprevisíveis e demoradas¿ ¿, a legislação trabalhista ¿ ¿é dos tempos de Mussolini¿ e o crédito ainda é pequeno ¿ ¿graças a spreads elevados por conta do compulsório e dos recursos direcionados¿, comenta Werlang.

¿ Resolvido, cada item poderia gerar uma expansão adicional de cerca de 0,50 ponto percentual na economia ¿ projeta o ex-diretor do BC.