Título: Banqueiros driblam apetite do Leão
Autor: Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. A19

O crescimento recorde dos lucros no setor bancário em 2005 não se refletiu na arrecadação federal. Enquanto os ganhos avançaram, em média, 40%, atingindo R$ 21 bi - segundo dados da Austin Rating - o pagamento de Imposto de Renda pelas instituições financeiras evoluiu apenas 9,9% no período - contra uma carga 11,7% maior para pessoas físicas e 22,4% para empresas não-financeiras. Não à toa, caiu a participação dos bancos na arrecadação do tributo, na contramão do ocorrido com pessoas físicas e com o setor produtivo.

O alívio fiscal dos bancos se deve a uma série de artifícios legais que permitem a redução da base de cálculo de tributos, de acordo com especialistas. O crescimento desigual na tributação perpetua a condição de participante com menor peso nas receitas do IR desfrutada pelos bancos. As instituições financeiras pagaram, em 2005, o equivalente a 17% do que desembolsaram as demais empresas ou mesmo as pessoas físicas (incluindo, na conta, o pagamento de carnê-Leão e desconto na fonte para o trabalhador).

No ano passado, a arrecadação com IR avançou 13%, de R$ 112 bilhões para R$ 127 bilhões. As instituições financeiras desembolsaram, segundo a Receita, R$ 7,517 bilhões em Imposto de Renda contra R$ 6,729 bilhões em 2004. Já as empresas do setor produtivo pagaram R$ 44,8 bilhões, ante R$ 35,9 bilhões no ano anterior. O recolhimento de Imposto de Renda Pessoa Física (carnê-leão, alienação de bens e ganhos de capital) atingiu R$ 7,518 bilhões, em comparação aos R$ 6,279 bilhões do ano anterior.

Uma das razões para a evolução menor da arrecadação do sistema bancário está na Lei 9.249/95, que criou o chamado juro sobre capital próprio, aponta o Sindicato Nacional dos Auditores da Receita (Unafisco). De acordo com a entidade, o mecanismo permitiu que só as cinco maiores instituições bancárias brasileiras (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Unibanco e Santander) reduzissem a base de cálculo de seus impostos em R$ 6 bilhões, o que proporcionou uma economia de R$ 2 bilhões em IR e CSLL. Juntos, os dois tributos representam 34% sobre a base de cálculo para as instituições privadas.

- Já conversei com profissionais da Receita de vários países e todos disseram que o juro sobre capital próprio é uma exclusividade do sistema tributário brasileiro. É uma aberração criada com a estabilidade monetária, que permite às empresas que não recorrem regularmente a financiamentos deduzir de sua base de cálculo o que teriam de despesa financeira se não tivessem capital próprio para investir. É uma despesa fictícia, uma renúncia fiscal indevida. Na prática, só beneficia os bancos, que distribuem essa receita para seus acionistas, geralmente pessoas de renda elevada. O sistema tributário deve ser um elemento de promoção de justiça social, mas não é o que acontece no nosso país - critica a diretora de estudos técnicos do Unafisco, Clair Hickmann.

Para a tributarista Raquel Santos, do escritório L.O. Baptista Advogados, no entanto, a evolução do pagamento de tributos pelo sistema bancário reflete as aquisições de instituições concorrentes ou de financeiras realizadas pelos grandes bancos.

- O ágio, valor pago além do patrimônio dessas instituições adquiridas, pode ser amortizado em cinco anos. Ou seja, pode ser lançado como despesa, reduzindo, assim, a base de cálculo - comenta Raquel. - Qualquer empresa pode fazer isso, mas os bancos se beneficiaram mais desse mecanismo por terem realizado muitas incorporações nos últimos cinco anos.

- Isso explica a voracidade com que os grandes conglomerados partiram para esses negócios, mesmo tendo de pagar alto pelas instituições adquiridas - afirma Edson Carminatti, do Instituto Nacional de Pesquisas em Administração (Inepad).

Os bancos ainda viram cair sua participação no bolo total do Leão (incluindo PIS/Cofins e Contribuição Social sobre Lucro Líquido), de 2,16% para 2,02%. As demais empresas, por sua vez, aumentaram sua fatia de 10,2% para 12,1%, enquanto a das pessoas físicas (carnê-leão) avançou de 1,87% para 2,01% e a tributação descontada na fonte subiu de 9,66% para 9,82%.