Título: Mundo pede fechamento da prisão
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, Internacional, p. A25

As atrocidades cometidas na prisão americana de Guantánamo, em Cuba, conseguem unir diferentes personalidades mundiais em torno de um mesmo objetivo: o fechamento da base. O apelo mais recente veio na sexta-feira, do Vaticano. Depois de participar do Encontro Nacional da Igreja Cubana, em Havana, cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, acusou os Estados Unidos de desrespeitarem os presos de Guantánamo.

- A ausência de direitos não é um empecilho à dignidade do homem? - indagou o cardeal.

Até agora, a Santa Sé não havia se pronunciado sobre a base, onde Washington mantém presos, sem acusação formal, pelo menos 500 pessoas.

- Toda pessoa tem direito a julgamento justo e equitativo. Se existem detidos não cientes do que são acusados, nós os defenderemos, onde quer que se encontrem - afirmou Martino.

A justificativa oficial dos EUA é de que por não serem prisioneiros de guerra mas ''combatentes inimigos'', os encarcerados em Guantánamo não estão sujeitos à Convenção de Genebra. Além disso, o governo criticou o relatório da ONU, ao afirmar que os autores basearam-se em testemunhos dos suspeitos em vez de aceitar o convite para visitar a instalação, ''onde teriam acesso e conhecimento pessoal''.

A onda de críticas de alto-escalão contra os EUA se agravou já na quarta-feira, quando o maior aliado de George Bush, o premier britânico Tony Blair, classificou Guantánamo como uma ''anomalia''.

- Estou de acordo que a prisão deve acabar - declarou Blair, ao responder sobre o assunto a um deputado da oposição, durante seu comparecimento semanal no Parlamento.

Guantánamo também foi destaque do festival de cinema de Berlim. Os tapetes vermelhos foram estendidos para o filme ''The road to Gunatanamo'' (''A estrada para Guantánamo'', tradução livre), que conta a história de três jovens prisioneiros. A meta do diretor Michael Winterbottom era mostrar ao mundo a ilegalidade da prisão.

- Se há cinco anos eu tivesse falado de um lugar com centenas de presos retidos pelo governo dos EUA fora da legalidade, ninguém teria acreditado em mim. Mas hoje estou aqui acompanhado por antigos presos - disse Winterbottom, ao lado dos britânicos-paquistaneses Ruhel Ahmed e Shafiq Rasul.

Junto a dois amigos, ambos saíram de Birmingham, em setembro de 2001, em direção a Karachi, para assistir ao casamento de um colega. Do Paquistão, os quatro passaram para o Afeganistão e lá foram aprisionados pela Aliança do Norte, primeiro, e depois pelos EUA, sob a acusação de pertencerem à Al Qaeda. ''The road to Guantanamo'' reúne as declarações de três deles - um desapareceu.

O assunto mereceu atenção ainda no encontro da Comissão de Alto-Nível da Aliança das Civilizações da ONU, em Doha, no Qatar. O reitor brasileiro Candido Mendes pediu aos representantes o fechamento da prisão.

- O mais importante é aumentar a pressão interna e externa sobre Washington. É preciso desconstruir o discurso americano de que precisa levar a democracia ao mundo - sustenta ao JB Gustavo Sénéchal, professor de Direito Internacional da PUC-Rio. - É uma desculpa absolutamente esfarrapada.

Sob intensa pressão, na sexta-feira os EUA divulgaram, depois de quatro anos, os nomes dos detidos em Guantánamo. O Departamento de Defesa, no entanto, não organizou a informação em uma lista: cada prisioneiro aparece pelo menos uma vez em meio a 6 mil páginas de documentos postados no site do Pentágono.

Um dos citados é Moazzam Begg, seqüestrado em Kandahar, no Afeganistão, em 2003 e entregue às forças americanas. Levado para Guantánamo, passou por sessões de tortura e intermináveis e cruéis interrogatórios. Num deles, pensou que ia morrer quando o agente da CIA imitou o imperador romano César e fez o sinal da condenação à morte, com o polegar para baixo. Na parede da cela onde esteve, havia uma enorme inscrição: ''F...-se Islã''.

Estas e outras histórias Begg conta no livro ''Enemy Combatant - A british muslim journey to Guantanamo and back'' (Combatente Inimigo - A jornada de ida e volta de um britânico muçulmano a Guantánamo''), que será lançado amanhã na Grã-Bretanha.