Título: Horror oficial pela democracia
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, Internacional, p. A25

Os Estados Unidos não conseguem mais negar os maus-tratos na prisão de Guantánamo, em Cuba, onde militares agridem prisioneiros a pretexto de combater o terrorismo. Mas a dimensão da mistura de brutalidade e humilhação só é percebida depois de uma leitura atenta do relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU. É no trabalho de cinco relatores que estão os detalhes constrangedores de como as tropas de George Bush, a pretexto de defender a democracia, torturam e usam tabus religiosos para subjugar muçulmanos nunca inocentes até prova em contrário.

Os relatores focaram no aspecto legal; nos maus-tratos; na liberdade de credo; e nas condições de saúde dos presos. A conclusão não surpreendeu: todos os direitos que dizem respeito a esses itens têm sido sistematicamente ignorados. Muitas vezes, com requintes de crueldade.

É na chamada lista de ''técnicas de interrogatório'' que os EUA criaram um arcabouço legal para a tortura. Estão, portanto, oficialmente autorizados expedientes como ''a exposição a temperaturas extremas e o ajuste do horário de sono'', que é a troca do dia pela noite.

O relatório mergulha nos relatos de advogados e ex-prisioneiros, uma vez que não lhes foi permitido falar com os suspeitos ainda em Guantánamo - o governo americano até autorizou a entrada de relatores, desde que não falassem com os presos, ''favor'' recusado pela comissão.

Foram recolhidas provas testemunhais de espancamento. Mas os relatores também perceberam ser tortura o que os EUA chamam de preservação da vida dos presos em greve de fome.

A pretexto de evitar que morram em conseqüência da falta de comida, os soldados inseriram tubos de alimentação da grossura de um dedo nos narizes dos prisioneiros até que sangrassem. Sempre com a assistência de profissionais de saúde, o que abriu outra discussão: a ética desses funcionários.

Diz o relatório: ''As violações denunciadas incluem: a quebra da confiança ao divulgar registros médicos ou informação sobre a saúde dos prisioneiros para efeitos de interrogatório''.

- É preciso lembrar que na aplicação dessas ''técnicas'' está mais do que configurada a prática de tortura. - explicou ao JB um dos relatores, Paul Hunt, responsável pela investigação das condições de saúde na prisão. - O mesmo vale para sua incerteza com relação ao futuro e a irregularidade no contato com as famílias, que prejudica sua saúde mental.

Não está na lei, mas há registros de agressões diretas aos dogmas de muçulmanos, que são expostos a interrogatórios com mulheres fazendo a dança do ventre e proibidos de orar.

Sob o ponto de vista legal, a ONU confirmou que os Estados Unidos têm desrespeitado inúmeros tratados internacionais que tratam de prisioneiros em tempos de guerra ou, como quer o país, em estado de emergência - a criação do termo ''combatente inimigo'' é parte da estratégia. Pior, para driblar a pressão internacional foram criadas brechas na lei. São as autoridades militares, por exemplo, que aprovam um advogado, passível de ser dispensado ''por uma boa razão''.