Título: Desafios, possibilidades, responsabilidade
Autor: Vladimir Putin
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2006, Internacional, p. A27

MOSCOU ¿ A Rússia assumiu a presidência no G-8 em 2006 ciente da seriedade e da alta responsabilidade do posto. Teremos de discutir e definir em conjunto num fórum que, em mais de trinta anos, tem sido um dos mecanismos-chave para consertar atitudes quanto aos problemas mais importantes do desenvolvimento mundial. Propomos concentrarmos em três temas sérios e atuais: segurança energética global, a luta contra as doenças contagiosas e a educação. Tais prioridades visam a atingir o objetivo compreensível, acreditamos, para todos os nossos parceiros: ampliar a qualidade de vida dessa geração e das próximas. Uma das tarefas estratégicas do G-8 (o grupo das nações mais ricas do mundo, mais a Rússia) e da comunidade internacional é a criação de um sistema universal de segurança energética. O setor é a mais importante força propulsora real do progresso econômico e social. Influencia diretamente o bem-estar de milhões de pessoas. Temos a intenção de procurar, à frente do G-8 não só elaborar atitudes básicas para superar os problemas, mas também definir a nossa política.

A instabilidade no mercado de hidrocarbonetos gera ameaça real para o fornecimento global da energia. Notadamente, aumenta a discrepância entre oferta e demanda. É evidente o crescimento do consumo na Ásia, resultado não só de ¿oscilações¿ econômicas, mas de outras causas na área de política e segurança. É preciso que a comunidade internacional atue coordenada.

A nova atitude deve começar pelo fato de, já que o ramo energético é global, a segurança é indivisível, o que significa responsabilidade, riscos e vantagens comuns. É importante formar a estratégia baseada em fornecimento duradouro, seguro, ecologicamente aceitável, a preços fundamentados e aceitáveis tanto para países exportadores como para consumidores. Além da harmonização dos interesses, há que definir medidas práticas em prol do abastecimento estável, de programas de poupança de recursos e de fontes alternativas de energia.

O abastecimento equilibrado é um dado essencial. Temos de deixar uma arquitetura energética que preservará as gerações vindouras de conflitos e formas pouco construtivas de luta por energia. Neste contexto, a Rússia defende uma conjugação mais estreita de esforços do G-8 e da comunidade internacional em torno de tecnologias de inovação. Seria a primeira etapa de uma base para o abastecimento da energia para a humanidade do futuro, quando acabar em termos gerais o potencial na forma atual.

Uma atitude sistêmica quanto à eficiência energética do desenvolvimento económico e social também contribuirá para a segurança. Passos importantes foram dados pelo G-8 em 2005. Trata-se da aprovação do Plano de Ação pró-inovações, a poupança e a proteção ambiental. É importante, como princípio, incluir países que não fazem parte do G-8, especialmente Estados em rápido crescimento e industrialização.

Para muitos, a segurança energética está ligada aos interesses dos países desenvolvidos. Mas não se deve esquecer que 2 bilhões de pessoas no planeta não têm acesso a serviços energéticos modernos ou à própria energia elétrica. Estão longe de muitos bens e frutos da civilização.

Claro que o ramo energético por si só não resolve a pobreza. Mas se a carência travar o crescimento, e o uso pouco racional levar a uma catástrofe ecológica, esta não seria local mas global. Os técnicos têm discutido as perspectivas do aumento do consumo nos países em desenvolvimento por conta da utilização mais ativa de fontes não tradicionais. O G-8, aqui, ganha especial atualidade na introdução de alternativas.

É preciso reconhecer em conjunto que no mundo contemporâneo, interdependente, o egoismo energético é via sem saída. E por isso cremos que a redistribuição com base nas prioridades de um grupo reduzido dos Estados mais desenvolvidos não corresponde aos objetivos e às tarefas do desenvolvimento global. Vamos procurar formar um sistema de segurança que tenha em conta os interesses de todos, no qual todos cooperem e que tenha potencial equilibrado para garantir o abastecimento sustentável.

O debate segue em torno de uma ameaça real à sobrevivência que a Humanidade enfrenta ¿ a propagação de doenças infecciosas. Pode parecer que o progresso alcançado inspira esperança: a varíola está liquidada e a luta contra a poliomielite perto da última fase. Mas enfrentamos tanto explosões de moléstias já conhecidas como males perigosos como a Aids, febres hemorrágicas exóticas causadas por vírus, infecções por micoplasmose, a ¿gripe das aves¿. Hoje, representam uma morte em cada três no mundo.

A Rússia quer propor dinamizar o trabalho aqui. Aprovar, inclusive, um plano operacional de ação contra a ¿gripe das aves¿ e na prevenção de uma nova pandemia da gripe humana, que pode matar milhões. Em geral, o ¿G-8¿ não pode e não deve estar fora de problemas de tão grande escala. A diferença nos níveis do desenvolvimento dos sistemas de saúde pública, bem como as possibilidades financeiras e o potencial científico desigual na área da luta contra epidemias estão na base da distribuição desigual de recursos globais destinados à luta contra as infecções.

Propagando-se com uma intensidade diferente nas diversas regiões, as doenças contagiosas são um indicador dos problemas sociais e económicos, reforçam a desigualdade e contribuem para a discriminação. Daí ser grave o problema dos infectados pelo vírus HIV e outras doenças perigosas, que se tornam excluídos. Além da doença, enfrentam dificuldades de adaptação.

Mais um elemento de princípio. Nos últimos anos, a Humanidade tem sentido a força destrutiva de terremotos, inundações, tsunami. A urbanização, o alargamento das redes de transportes e da infra-estrutura industrial fazem-nos muito mais vulneráveis do que antes. Não só afetam a economia e a área social, mas o maior perigo dessas calamidades é a explosão de doenças infecciosas que acompanham os desastres. Por isso consideramos a criação de um sistema global de prevenção e luta contra as consequências epidemiológicas das catástrofes.

Também poder-se-ia pensar na possibilidade de formarmos uma infra-estrutura única capaz de reagir rapidamente ao surgimento e à propagação de epidemias. Incluiria monitoração, intercâmbio de informações e de metodologias científicas, além de um sistema de reação rápida. A causa de muitas doenças em massa está também nas tais crises humanitárias, ligadas a conflitos militares. Estou convicto que o G-8 tem condições de consolidar esforços internacionais na solução de situações de emergência e ajudar a interação multilateral.

Para completar, a educação é um dos principais fatores do crescimento da autoconsciência social, dos valores éticos e do fortalecimento da democracia. Além disso, com o aperfeiçoamento das tecnologias, o mercado do trabalho prefere especialistas mais qualificados, o que resulta num aumento permanente de exigências para o próprio sistema de ensino. Passa-se à formação contínua. Formam-se as condições prévias para o surgimento de um espaço educativo comum. Está claro que essas tendências ganham força primeiro nos países desenvolvidos, enquanto em muitos estados e regiões o problema de acesso se agrava mesmo no ensino primário. Vemos isso como uma ¿catástrofe humanitária¿, uma séria ameaça à comunidade mundial. O analfabetismo em massa é o meio que alimenta ideólogos da cisão intercivilizacional, da propaganda da xenofobia, do extremismo étnico e religioso. No fim das contas, dos terroristas internacionais.

Nas condições de uma crescente mobilidade da população do planeta e de um aumento constante dos processos migratórios ganha importância o problema da ¿adaptação¿ num outro meio cultural. É evidente que a educação pode assegurar essa adaptação social recíproca de diversos grupos culturais, étnicos e confessionais.

Muitos países em desenvolvimento sentem sérias dificuldades na implementação de métodos avançados de ensino e das tecnologias de informação. Em vista disso, é necessário utilizar de uma forma mais produtiva os recursos modernos incluindo Internet e outros novíssimos meios de divulgação da informação e de conhecimentos. A abertura dos institutos de ensino face os requisitos dos setores de alta tecnologia constitui uma condição necessária da competitividade.

A par das três prioridades da presidência russa no ¿G-8¿ prosseguirão também trabalhos em vertentes-chave como a luta contra o terrorismo internacional e a proliferação das armas de destruição em massa. E, com certeza, os nossos esforços continuarão concentrados na regularização de conflitos regionais, em primeiro lugar no Oriente Médio, no Iraque e na estabilização da situação no Afeganistão.