Título: O voto bumerangue dos evangélicos
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2006, País, p. A3

Os 25 milhões de evangélicos do país perfazem 15% do eleitorado, com presença crescente nas periferias das metrópoles e nos rincões longínquos. Apesar de cada vez mais cortejados pelos políticos, sobretudo nas eleições majoritárias, os votos evangélicos têm um efeito bumerangue: quem se apresenta como porta-voz dos fiéis sabe que o apoio inicial faz a campanha decolar mas, na reta final, costuma se voltar contra o candidato, com um aumento acentuado dos índices de rejeição. Não foi por acaso que o senador Marcelo Crivella (PRB), um dos mais bem colocados nas pesquisas para o governo do Rio, rebelou-se, em artigo recente, contra os que o rotulam como ''candidato da Igreja Universal''. Crivella é cotado para receber o apoio do PT num eventual segundo turno contra o senador Sergio Cabral (PMDB), apoiado por Anthony Garotinho. No artigo, ele diz que é apenas ''bispo licenciado'' da igreja e que seus projetos e preocupações políticas transcendem a visão puramente religiosa.

Num país ainda de ampla maioria católica, a caracterização de um político como ''candidato dos evangélicos'' preocupa eleitores de outros credos, o que explica os altos índices de rejeição detectados pelas pesquisas confirmados nas urnas. Por isso, deu certo a tática do prefeito Cesar Maia, então candidato à reeleição, que amplificou a melhora dos índices de Crivella nas pesquisas, ao mesmo tempo em que encerrava (assim como abrira) a campanha com uma visita à Igreja da Penha. Com esse ardil, o prefeito assustou o católico indeciso e resolveu a eleição no primeiro turno.

O antropólogo Flávio Conrado, pesquisador do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser), lembra que na última eleição para prefeito, Luiz Paulo Conde (PMDB) tinha como vice o pastor Manoel Ferreira, líder de um dos principais grupos da Assembléia de Deus.

- Cesar Maia polarizou porque sabia que os evangélicos se dividiriam. O que fica claro é que o voto evangélico é importante mas oferece riscos. Por isso Crivella faz questão de dizer que 'foi bispo' mas hoje é um político que ultrapassou as fronteiras religiosas.

O sociólogo Alexandre Brasil, professor da Uerj e pesquisador do voto evangélico, anota que o ex-governador Anthony Garotinho também já sabe que não pode fazer uma campanha segmentada, caso queira diminuir os índices significativos de rejeição, revelados em várias pesquisas.

- Isso explica, por exemplo, por que, sempre que jornalistas tentam relacioná-lo ao voto evangélico, ele se desvencilha. Numa recente entrevista, Garotinho respondeu que era candidato a presidente da República e não a pastor de igreja - lembra o sociólogo.

Alexandre Brasil, que também é militante do MEP (Movimento Evangélico Progressista) - identificado com correntes mais à esquerda - recorda, ainda, que o voto evangélico tem se revelado mais efetivo nas eleições proporcionais, ajudando a consolidar e a aumentar bancadas.

A expressão ''bancada evangélica'' adquiriu tom pejorativo sobretudo nos anos 80, como relembra o presidente nacional do MEP, Juliano Henrique Finelli:

- Esse grupo que atuava na Constituinte ganhou fama de ser fisiológico e conservador, o que foi fortalecido por denúncias do Jornal do Brasil em agosto de 1988.

As denúncias davam conta de um ''lucrativo comércio'' durante a Constituinte, com os evangélicos negociando votos em troca de vantagens e benesses para suas igrejas e, muitas vezes, ''para eles próprios''.

O MEP surgiu - historia Finelli - como oposição a esse tipo de política:

- A imprensa fez o favor de destacar as lideranças evangélicas que eram contrárias a tais práticas.

Isso permitiu, segundo o dirigente, uma visibilidade maior do movimento, destinado a ''politizar e influenciar a massa evangélica, num pensamento crítico e progressista''.

A opção representada pelo MEP mostra que o voto evangélico hoje é diferenciado de acordo com a posição das igrejas, grupos e movimentos. Em relação às próximas eleições, vacinada por experiências traumáticas, a maioria dos líderes tem evitado proclamar apoios e definir alianças na campanha presidencial e na dos estados.