Título: Renan e Judiciário em guerra
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 07/03/2006, País, p. A3

BRASÍLIA - O Legislativo ameaça declarar guerra ao Judiciário caso o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha a verticalização nas eleições deste ano. Ontem, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou que será promulgada amanhã a emenda constitucional que acaba com a regra, segundo a qual os partidos têm de respeitar nos estados alianças fechadas na eleição presidencial.

A emenda terá validade tão logo publicada no Diário Oficial da União. Tornará sem efeito a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ratificada na semana passada, que mantém a verticalização. Mas há outro problema para o Congresso: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já avisou que, promulgada a emenda constitucional, recorrerá ao Supremo para garantir que o fim da verticalização só valha a partir das eleições gerais de 2010. O recurso será amparado no artigo 16 da Constituição, o chamado princípio da anualidade.

Pelo dispositivo, a lei que mudar o processo eleitoral não se aplicará à eleição que ocorrer até um ano após a sua entrada em vigor.

- Não acredito que o Supremo faça a opção pelo conflito de poderes, que não interessa ao país, à democracia e à governabilidade. Não abriremos mão de mexer na Constituição por decisão da maioria do Congresso - disse Renan, ressaltando que o princípio da anualidade se refere a leis, e não a emendas.

Já o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), adotou discurso mais ameno, que não conta com o respaldo de boa parte de líderes de partido.

- Não há razão nem há possibilidade de qualquer tipo de confronto. Os Poderes se orientam pelos princípios constitucionais.

Ontem, Renan afirmou estar atuando como ''bombeiro'' nas discussões sobre o tema. Prova disso é que não promulgou a emenda constitucional que extingue a verticalização antes da decisão do TSE, o que poderia soar como afronta. Apesar de declarar que opera para ''diminuir tensão'' e ''evitar conflitos'', Renan considerou ''absurdo'' a Justiça Eleitoral usar a anualidade para manter a verticalização.

- O TSE invocar a anualidade é de uma tolice nunca vista, porque a própria verticalização aconteceu em fevereiro do ano da eleição (2002) - afirmou o senador.

O contra-argumento dos magistrados para tal alegação já é conhecido. Eles dizem que o TSE apenas interpretou uma legislação já existente. Não teria criado uma regra nova em 2002. Renan conversou sobre o tema com o presidente do STF, Nelson Jobim, e o ministro Gilmar Ferreira Mendes. Não esclareceu o teor do bate-papo. Disse, no entanto, ter a convicção de que o Supremo aceitará o fim da verticalização nas eleições deste ano. Se não o fizer, provocará - além do conflito de interesses - uma resposta imediata do Congresso: a aprovação de uma emenda constitucional revogando o princípio da anualidade.

A proposta também é defendida pelo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Mas está longe de ser consenso entre os parlamentares. O presidente do PPS, deputado Roberto Freire, por exemplo, considera-a uma ''arrematada tolice''.

- Seria a extrema desmoralização do Estado de Direito o Congresso criar leis para mudar decisões do Supremo - afirmou Freire.

Iniciativas nesse sentido já ocorreram e em relação à própria verticalização. Em 2002, logo depois de a regra ser baixada pelo TSE e confirmada pelo STF, os senadores aprovaram um decreto-legislativo interpretando a lei eleitoral. Pelo texto, a coerência nas coligações teria de ser observada apenas dentro dos estados e não em âmbito nacional. O decreto empacou na Câmara e foi ao arquivo. Diante do fracasso da empreitada, os senadores aprovaram, ainda em 2002, a proposta de emenda constitucional a ser promulgada amanhã. Se a Câmara tivesse feito o mesmo até setembro de 2005, a nova regra já valeria para esta eleição.

Como não o fez, o imbróglio jurídico-político está formado. Confrontando com o histórico do caso, Renan preferiu não criticar os deputados. Lembrou apenas que os anos conturbados vividos pela Câmara também impediram, entre outras, a votações das reformas política e tributária.