Título: Dos porões à lista de espera, a luta pela indenização
Autor: Leandro Mazzini
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2006, País, p. A4

Moradora do subúrbio do Rio, Ermínia Rainho Ramos guarda na alma a dor de ter visto o pai sofrer nas mãos de militares durante a ditadura. Ermínio Ramos foi preso e torturado em 1964. Livre e desempregado a partir de 68, morreu em 1981 por problemas no coração e deixou a família em dificuldades financeiras. Do outro lado da cidade, no Flamengo, a aposentada Ivanilda Veloso cruza a sala todas as manhãs e se posiciona frente ao oratório para rezar pelo marido, o comunista Itair Veloso, desaparecido há 40 anos. Esses são apenas dois casos entre as milhares de pessoas que reivindicam justiça.

Na tentativa de ajudar ex-torturados e parentes de vítimas da ditadura, a aprovação da lei estadual para indenização surgiu como consolo tardio em 2002, mas a burocracia e o orçamento minguado, embora passem longe de uma tortura psicológica, deixam os beneficiados numa angústia não menos sofrível. Dos 1.114 cadastrados na Comissão Especial de Reparação - vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos do Cidadão -, 707 processos foram julgados e 638 aprovados. Em dois anos, apenas 140 (21,9% do total de aprovados) receberam, cada, R$ 20 mil a título de indenização.

Para o Grupo Tortura Nunca Mais, integrante da comissão que analisa os processos, falta vontade política. O subsecretário de Direitos do Cidadão, Paulo Bahia, justifica a demora pelas dificuldades com a destinação de verbas.

- Nossa meta para este ano é pagar a mais 300 pessoas. Ano passado, queríamos pagar 250 mas temos problemas de orçamento - disse Bahia.

A secretaria dispõe de R$ 1.792.740 para 2006 - o suficiente para o pagamento de 89 benefícios. Se concretizado, o número é inferior ao de 2005, quando 100 pessoas receberam o cheque de R$ 20 mil. O orçamento não faz jus à meta, segundo constata Bahia, que pleiteia um crédito suplementar para alcançar no mínimo R$ 6 milhões, ao todo, para este ano. O problema é que, pela lei, o orçamento aprovado pode ter complementação de, no máximo, 25% do total - R$ 448 mil. Para cobrir o pagamento dos 498 processos deferidos e pendentes, o governo deveria direcionar R$ 9,96 milhões.

Contra os números há o peso das histórias das vítimas na lista de espera para receber o cheque. São pessoas que foram presas e sofreram violência por agentes do estado, ou parentes dessas vítimas. Eles dependem do valor não apenas para reforçar o caixa como também por questão de honra. Viúva do comunista Itair Veloso, um dos integrante históricos do PCB no Rio, Ivanilda Veloso teve o processo indeferido no último encontro da comissão por falta de provas. O marido, segundo relata, desapareceu na manhã de 22 de maio de 1975, na Abolição, Zona Norte do Rio.

- Luto há 30 anos. Luto até morrer. Tive que sustentar três filhas e uma delas ficou com seqüelas graves por causa disso. Eu oro por ele todas as manhãs - desabafa Ivanilda, que vai recorrer da decisão.