Título: Primeira morte da guerra
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/03/2006, Rio, p. A7

O terceiro confronto entre traficantes e militares desde que o Exército passou a ocupar favelas do Rio, sexta-feira, terminou em tragédia para a família do estudante Eduardo dos Santos, 16 anos. Na manhã de ontem, durante troca de tiros entre soldados e bandidos do Morro da Providência, no Centro, o adolescente, que sonhava seguir carreira nas Forças Armadas, morreu ao ser atingido nas costas por uma bala perdida, possivelmente de fuzil. Ele estava na Praça Machado de Assis, no Morro do Pinto, próximo ao confronto. Um amigo que acompanhava Eduardo acredita que os tiros vieram de onde estavam os soldados, no Morro da Providência. Domingo, o Exército já havia sido atacado por traficantes da Providência, que lançaram uma bomba de fabricação artesanal contra uma guarnição, e em Vigário Geral, na noite de sábado houve troca de tiros entre militares e bandidos. Ao todo, já são 12 comunidades ocupadas por 1.600 militares.

O tio de Eduardo, Robson dos Santos, disse que o estudante estava desde sexta-feira no Rio para assistir ao desfile das campeãs do carnaval. Morador de São Gonçalo, Eduardo era fã da Estácio de Sá e pensou que a escola desfilaria sábado:

- Ele estava hospedado na casa de outro tio, no conjunto habitacional Vila Portuária (no Morro da Providência). Meu sobrinho tinha medo até de galinha e queria se alistar no Exército quando completasse 18 anos.

O amigo que estava com o jovem acha que o guarda-chuva carregado por Eduardo foi confundido com uma arma.

- A gente foi ver a movimentação do Exército por curiosidade, mas logo o tiroteio ficou muito intenso. Pouco tempo depois de as rajadas acabarem, ouvi mais dois disparos e um foi certeiro no peito de Eduardo - contou o rapaz, de 18 anos, que assistia ao tiroteio do mirante na Praça Machado de Assis, a cerca de 200 metros dos soldados.

O local onde Eduardo foi baleado fica no mesmo endereço de um centro de assistência social da Prefeitura em que ele iria se matricular para fazer um curso de fotografia. Na hora do tiroteio, havia dezenas de moradores e crianças.

O estudante ferido foi socorrido por um taxista. No caminho do hospital, o motorista encontrou uma ambulância do Corpo de Bombeiros, ainda no morro. Médicos tentaram socorrê-lo, mas constataram que Eduardo estava morto. No mesmo táxi, o corpo do rapaz foi levado para a 4ª DP (Central) onde foi feita a primeira análise da perícia.

- A vítima foi baleada pelas costas, e o tiro, provavelmente de fuzil, atravessou o peito. Caso seja constatado que a bala foi disparada por um soldado do Exército, o incidente passa a ser militar, e a investigação fica a cargo do Exército - afirmou a delegada titular da 4ª DP, Evanora de Moraes.

Um representante do Poder Judiciário consultado pelo JB afirmou que, mesmo em caso de crime militar, os acusados são submetidos à Justiça comum.

O Comando Militar do Leste não comentou o incidente. Segundo o relações-públicas do órgão, coronel Fernando Lemos, o caso será investigado pela polícia do Rio. Eduardo será enterrado hoje, às 13h, no Cemitério do Catumbi.